terça-feira, 25 de setembro de 2007

Barba ruiva

Ele sabe.
Eu sei também.
Alguém mais supõe saber, mas não sabe, não sabe de nada.
Nós, os dois, e só sabemos.
Queira me ver. Me prenda e me prenda num olhar pra não perder de vista.
E me fantasie sua. Que uma máscara minha é clara. Me escondo em você.
O que quiseres eu vou ter. Vou ser seu deus jovem. E vou ser aquela que mata a monotonia. Eu vou te fazer entender. Te faço achar a graça, procuro pra você e depois mostro, me mostro.
Perca o fôlego nos beijos que não tivemos. Deixa-me sentir seu cabelo. Sente meu corpo esparramado no seu. A mão na nuca. Perto do umbigo. A barba incomoda meu pescoço. Não tira. Fica. Fica mais. Por aqui, fica em mim.
Gosto de mel. Cheiro de cru. Pele de flor. Me toca e eu vejo. Me cheira pra si. É você que me segue me deixo perseguir. E você se perde no meu rastro ordinário. No rastro errado, que você teima em seguir. Por vontade sua alheia a mente. Se culpa e vem reclamando. Mas vem, vem sem saber o porquê e vem. Vem sem entender e vem sim. Sem razão e sem cálculo. Vem por vício de saber que me tem.
O que é intenso ele sabe e não entende.
E o que eu penso é o que sei, também sem saber.
O que ninguém viu e nem vai ver.

sábado, 22 de setembro de 2007

Não

Cólera, cólera porque cólera. Porque é mais forte que a raiva. Cólera da incapacidade, é assim.
Porque sempre quero ser um outro que não sou. E fico não sendo para sempre. Incluindo a minha parte do ser que é pequena, penso. É tanta cólera que é impossível achar o meridiano.
É capaz de espremer a cabeça até que saia uma gota brilhante e que valha a pena, e que arranque oh’s e ah’s de gente ruim. Ruim pra burro. Mas que nunca esteve apertado, e nunca sentiu cólera. Não a minha. Não há uma busca, mas há uma procura cujo motor é esse. É justamente isso que me atormenta. O porquê que nasce em alguns tão facilmente, em mim é gerado, cobra criada, é isso que eu sou. Se é que sou. O ponto, a questão, é que não há fartura se houvesse, estava feito.
Para alguns há fartura de dinheiro, para outros de intelecto, e pra mim? Acho que não sobrou nada. Todos limparam os pratos e lamberam os beiços. E eu emagreci de esperança. Doença de esperança. Esperança de espera, do destino da corrida que não acaba, não senhor. Ai fico eu aqui ó... tento ver e não vejo, tento ser e não sou, tento largar, nem isso. É tormento !
Tormento que por vez vira cólera. Cólera porque cólera.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Fumaça

E então o homem se viu triste e incapaz. Entrou na sala rodeado de livros. Ele não entendia nada. Sentou-se no chão com as pernas cruzadas e assim permaneceu. Estava calor era dezembro e o Rio era um inferno. Ele sentiu náuseas, talvez pelo calor, ou quem sabe a poeira, o cheiro de antigo, o carpete. Respirou fundo. Quis declamar um poema e sabia muitos, não soube escolher nenhum. Respirou fundo. Gritou a Cláudia, que veio de imediato. Quis cantá-la. Não soube o que dizer. Ela respirou fundo e saiu.
Ele acendeu um cigarro. Fumou. Tossiu. Apagou. Uma pilha de coisas, ele pensou, coisas inúteis. Informações demais. Informações que não serviam para nada. Cultura inútil. Para ele toda cultura era inútil. Serviam para perpetuar a sua iminência intelectual e apenas isso. Aperfeiçoamento do ego, leitura era eufemismo. Para que tanto?
Acendeu outro cigarro e queimou os clássicos. Cadê a vida? Que vida? Nem virilidade ele tinha mais. A única que poderia fazê-lo contar historias. Nem isso tinha. Casamento infeliz. A amante era o diabo, para que ameaças. Acabar com meu casamento, que casamento? Cadê o amor? Não tinha. Nem para si próprio.
Queimou os românticos. A pilha ia diminuindo. Mas não sua angustia. Que almoço o que... Não quero! Outro cigarro. Queimou as crônicas. Vivência dos outros não mais o interessava. Reter-se a algo tão pequeno. Parar pra pensar. A reflexão traria apenas tristeza e nostalgia para um homem sem histórico. Sem ficha feito ele. O que era? Era um nada, um zero, ausente.
Queimou. Queimou. Fumou. Queimou. Fumou e queimou.
- O que há com você ?
- Não há nada.
- Onde estão meus livros?
- Não sei.
- Você queimou meus livros.
- Nossos. Queimei.
- Você não almoçou.
- Não.
- É um doido sabia?
- Por quê?
-Porque sim.
- ok.
A mulher fecha a porta. E ele sozinho com câimbra nas pernas e náuseas terríveis. Fumou mais um cigarro. A prateleira continha dez, exatos dez livros, os primeiros que tinha lido. Livros infantis. Uma casa de sorvete, ele sorriu. As mãos sujas de cinzas. Cinzas suas, cinzas de alguém que leu, pensando em viver e acabou não fazendo. Agora lê a casa doce que se derrete no calor. E se sente dentro dela. E sente o gosto do sorvete no sol. O gosto fedido das cinzas. A cor uva do teto desfigurado, um mar de tinta roxa amarga.
- Quanta bobagem!
- Como?
- Esse seu choro, esse calor, o cheiro insuportável, esse seu livro. O que há com você?
- De novo?
- É.
- Há... há... não há nada.
- Quando é que você vai para com isso?
- Isso o quê?
- Suas meias palavras.
- Não sei. Nunca. Hoje.
Ela sai.
- Quer um cigarro?
- Como?
- Quer um cigarro?
- Não fumo Eduardo.
- Não quer?
- Quero.
Ela se senta ao seu lado.
- Você é triste não é Eduardo? A culpa é minha?
- Não. A culpa... A culpa... É do calor.
Ela ri. Ri muito. Ele não.
- Podemos ligar o ar.
- É... Podemos.
Ela vai na frente, ele demora para se levantar, deixa a sujeira, as cinzas e o maço vazio para traz, apaga a luz e respira fundo.