segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Janeiro

Subi uma Serra tão grande que tive (tenho) medo de descer.

Carne fria

Fria como o diabo, seu nome era Cláudia. Dessas Cláudias más. O apelido era rainha, se bem que o nome o valia. Cláudia rainha.
Minha Cláudia era tão dura e seca que não envergava nem com os meus afetos mais puros, nem os mais singelos, os mais bem pensados, e os capciosos, calculados, milimetricamente calculados por um sorriso de canto de boca e apenas este.
Cláudia vivia em constante apnéia, ou melhor no fim desta, sem ar. Só o suficiente para se manter viva e acordada; o suficiente para se saber tensa e quase morta. Jamais relaxava. Ela me cultivava ódio e eu pena (penar). Ódio e amor. Pena é amor.
Nunca soube viver sem mim, mas queria estar sozinha em uma meteorologia muito única nos seus dias eternamente chuvosos. As vezes ela chorava tanto tanto que eu poderia me perder nos seus olhos; então passava a achar que eram lágrimas fracas, pensava que tinha sucumbido, que preferiria o calor do amarelo no colar de contas e não tons pastéis.Mas não... não chegavam a ser lágrimas de crocodilo, o choro da Cláudia era como aquela fresta de água que escorre da pedra austera ali.
De noite a Cláudia veio ao meu quarto e fizemos amor. A Cláudia chorou e riu e me puxou e suou e me deu calor e amarelou e explodiu e gritou e gozou,

andou nua e fácil, simples até o banheiro, depois de lá mesmo fechou a cara, (descobri que ela devia mesmo era ter sido atriz. Ou não, posso ter me enganado) de lá mesmo também ela me disse uma coisa e foi embora, para sempre. E só levou consigo um batom cor da pele e alguns, muitos soníferos no estômago deitado na cama do quarto da esquerda.
Meu reino pelas palavras da Cláudia, morta no banheiro, cor de carne. Naquela noite fui coroado rei com a chuva mais forte que já enfrentei na vida.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Possíveis

Combinamos acreditar que tudo é possível. O chamei pra ver a chuva. Atrito com o telefone seco e água na boca. Vem, vem logo! Calcei as meias pra esperar com os pés quentinhos, não fazia frio, só na barriga. Não cabe meia na barriga. Ele chegou molhado com os cadarços desamarrados, da porta da varanda onde estava sentada, sorri, depois gargalhei. Vem, vem ver a chuva comigo. Ele estava frio, mas fazia calor, perguntei o que era, ele disse a chuva. Então porque veio? Porque quis.
Levantei. Vou cuidar de você. Aprontei-lhe o banho quente e o jantar, comida saudável, não... ele não era forte, não éramos. Não somos. Depois fiz-lhe a barba. Ele disse que não era mais um bebê, sabia se cuidar. Insisti. Dei-lhe um beijo no umbigo molhado. Quis não rir o safado. Eu quis carinho, e ele penetração, aceito. Depois de me comer comeu o jantar. Só tinha um pé da meia nos pés.
A chuva parou ele disse. Eu vi eu disse. Lembra quando víamos a chuva? Perguntou. Tento lembrar eu disse. Porque não a amo Paula? Eu deveria amá-la, é a melhor mulher que existe, sabe disso? A melhor. Dentre todas as mulheres que já conheci, dentre todas que já ouvi falar, todas, só você.
Pode ser o nome, quis brincar. Eu sei do desamor.

Bela meia ele disse. Agora eu era um par de meias e salivava diante da presa e suava, Deus como suava. Queria dizer tudo, mas de que me adiantaria tantas construções gramaticais, pra que tanta atuação e tanto dionísio. Para que meu deus se aquele homem não me tinha amor, nem ódio, nem pena, nem gozo, nem verão, nem meias, nem lustre, nem louça, nem casa, nem casório, nem ladeira. Tinha nada. Era só um homem, ali nu parado, lindo.
Vá embora e não volte, eu disse. Mas voltou a chover, ele disse. Mas vieste na chuva,eu disse. Quero ficar, pediu.
A saliva era insípida e agora salga com as lágrimas. Me ame, disse baixo. Me ame. Me ame! Gritei. Ele roboticamente se aproximou. Não, seu imundo! Não ! Saia, saia daqui vai te embora!
Não chore ele disse. Combinamos acreditar que tudo é possível, lembra? Perguntei.
Eu menti, ele disse. Você mente. Pro caralio com as convenções!
Vá embora tomara que pegue chuva e morra de pneumonia, te odeio, nunca mais quero vê-lo está ouvindo? seu filho da puta, nunca mais, e taquei os tênis imundos e as giletes os sabonetes as escovas de dente e cabelos, as mudas de roupas tudo na chuva lamacenta.

Em quinze minutos liguei. Chegaste bem?

Ele chorou ao telefone, me machucas, disse.

Tento, disse.

É bom... É possível?

Tudo é.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

E lambam os beiços

,ainda que intocados.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Bloqueado

Não fosse por isso não estaria aqui, andando pra lá e pra cá, inquieto. E é tudo culpa minha. Pego um bloco de notas, escrevo um bloco de palavras num bloco de desenho, num bloco de mosaicos, dentro do bloco de mente. Cabeça dura é isso que sou. Caso quisesse, jamais estaria por aqui, a esperar a visão dela absurdamente deslumbrante descendo do ônibus, para quebrar tudo que há de mais prosaico no facteum. Mas não, não sei se é aqui que vai descer, não sei qual ônibus toma, não sei qual é o ponto. Mas o ponto é que, espero por aqui, com a mochila cheia de blocos de esperança. Não fosse minha acidez, a teria, de certo que a teria, ou não, ela poderia odiar-me agora se soubesse da verdade, poderia desejar não se surpreender com minha presença no horário determinado pelo acaso, no destino determinado pelo mesmo. Ah se ela soubesse... Graças a minha acidez. Graças aos nãos, invés dos almejados antônimos; Salve a incerteza amigos! Salve o motor da humanidade! Salve o motor dos apaixonados! Salve minha acidez, que só não me poupou tempo, e este tenho de sobra, pois sou jovem ainda posso cometer loucuras, mesmo que prosaicas, por amor. E a amo, de certo que a amo!
Não fosse minha miopia, já teria visto a combinação dos números do ônibus que transporta tal importância dentro de sua frieza desgovernada. Os números da sorte grande. Já não quero ganhar na loto, também por não jogar. Hoje não. Hoje não vou ter azar. Jogo de sorte o que eles dizem, apenas e não de azar.
A cada metro por segundo ou medida que o valha, meu interior se contrai, parece secar. A impressão de que toda a força, coragem e segurança, vão se dissipando através de meus micro-arrepios e dão lugar apenas a covardia. Desinflo. Já nem sei mais o que rabisco no bloco, já não sei mais transformar hipocrisia em verbo, nem sei mais nada.

O bloco cai no chão, me abaixo. Preciso me focar nisso, essa ação é mais importante que qualquer outra coisa. Meu bloco de notas, meu precioso artefato para criação, desamparado, clamando por atenção no cimento escuro da tal rua. Abaixo-me. heroicamente resgatar-lhe-ei digo.
Então ela desce do ônibus. E me vê assim, de cócoras por um bloquinho idiota.
Levanto-me. Inflo, com minha armadura de caos. E em tom de desprezo digo, e apenas uma sobrancelha levantada digo:

- Você por aqui?

Como quem se desculpa, ela diz que mora por ali perto, e passa.

Ácido, um bloco de homem ácido sou.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Fim de verões

Eu fico assim, novenando as conchas da praia. Esperando incertezas. Pensando no que foi destinado. Me balançando no vento da rede que acaricia meu pés com o chão. E os cabelos salgados quase que encostam nele. Cabelos que me dão a certeza de flor da idade póstuma. E nenhuma ruga. Tudo que vim fazendo durante décadas foi me mover, muito e para todos os lados. E hoje tudo que quero é chegar lá; aonde os olhos verdes sem esperança, jamais chegaram. Eu nunca pus os olhos em nenhum outro lugar. Não o teria feito, o par é óbvio demais por se esquecer da vida, por isso póstuma. Vim enterrar-me nas areias brancas, esperando encontrar o lá, aqui. Para sempre solidão é o nome desse livro que nunca escrevi e que tenho em mente até a metade, e que é tão grande que não lembro do início, e do monólogo esqueci-me de boa parte do meio, o que estou escrevendo agora é o clímax. Não me surpreendo em narrativa mal dividida. Meu corpo pesa então já deitado, relaxa. Mais um capítulo desnecessário esboçado nas entranhas que vou esquecer, do quê? O mar de tão forte espuma branco, o dia nublado tal qual areia branca. É isso, estou no (meu) céu.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Epitáfio

Não quero morrer de artrose, nem pneumonia, unha encravada ou câncer. Dor que aceito, só de amor, e eu mais que qualquer outro ser posso afirmar que ninguém morre de amor. (nem da falta dele). E morando por aqui, jamais morreria soterrada por catástrofes naturais eu embaixo de móveis meus antigos de madeira rústica, fraturando meus ossos e falanges, num espaço curto de tempo, daí então, morrendo sem ar, num enterro prévio.

Pouco provável também que eu morra de morte matada, mal tenho amigos, inimigos então... Não tenho porque ser desgostada ou o contrário. Sou nula, vivo em estado meso de confraternizações. Jamais morreria num boteco, olho pra mulher do cara, pisco pra ela, ela sorri com as pernas abertas e eu suo frio, algumas outras cervejas me deixam mais a vontade pra morte desconhecida, quando o marido dela sujeito cuja existência ignorei, levanta me puxa pelos poucos cabelos diz algum “sapatão” e outros “morre”, alguns chutes, uma banda, caio no chão quase desacordada, embaixo das pernas da digníssima senhora, vejo sua buceta e morro de bala perdida.

Quero morrer atropelada, por favor deus me deixa morrer atopelada?

Eu ia atravessar a rua, quando acabasse de sair da drogaria, comprei acetona, modess e chicletes valda (nenhum remédio), ai quase que de súbito, vem um ônibus, sem freio e um motorista morto de sono batendo a cara no valante, bate em mim. Voando eu e o saco plástico, caímos no asfalto preto, ele vazio e eu com unhas por fazer. Não contente, outros carros, carretas e caminhões passam por cima de meu cadáver, me transformando num ser disforme, uma massa humana, cozinhada no chão quente.
Até que seja vendida como cosmético pra madames por alguns bons quinhões e valha pouco mais do que arrecadei em vida.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Cabeça ruim

Rock pesado muito alto. Barulheira e música clássica. Meia calça. Champagne. rasgada. Vestido de festas. Peitos caídos. Cabelos curtos. Rostos feios. Beatles. Viagens ao oriente. Musica tailandesa. Tigres asiáticos. Quinta da boa vista. Gentinha. Calor.Rostos. Restos. magros. Lápis. Vazio. Preto. Branco. Gays. Sexo. Asterisco. Bombas de amor e de medo, e de amor e medo. Filmes, muitos. Luzes. Palco. Sono. Noites. Dias. Bíblias. Calendários. Moveis. Marcas. Marços. Chico. Farsa. Plágio. Medo. Tempo. Livros. Vento. Céu. Luz. Pernas. Celulites. Feia. Porra. Mães. Meu. Seu. Ele. Não. Gente. Ele. Não. Medo. Cor. Musica. Barulho e cortina. Janela. Infinito e pão. Comida. E tempo. Vômitos. Comprimidos. Espaço. Bowie. Piscinas. Clausura. Clausura e tempo. Ponto, parágrafo. Ventre. Vingança. Voz. VOZ. Medo e voz. Cera. Chama. Calor. Rio. Natashas. Natasha, natashas. Natasha. Ruim. Medo. Natasha. Musica. Medo. Só. Natasha. Nem sei se durmo.

Champagne

Quando o que tinha na cabeça de mais relevante era uma faixa de seda verde, manchada de barriga cheia de comidas natalinas que servem pro ano novo. Quando pulava suas ondinhas, e comia lentilha pra enriquecer. Comprou a calcinha vermelha, e deu pro primeiro que amou. Só naquele dia. Voou molhada de mar no banco do ônibus e foi feliz para sempre.