segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Não pode ser!

Então enfiei os dedos de raiva nos ouvidos do barulho ensurdecedor da cidade. Como se pudesse comprimir toda a cabeça num grão minúsculo de cérebro (inútil) preso aos indicadores. As ruas de mim não se aliviam. Mas agora, enquanto os dedos funcionam ouço mais minha voz. E tagarelo sozinho em frente ao computador ligeiramente feliz por esquecer o meio-dia. Dedos para que os quero. E vou repetindo essa frase, repetindo, repetindo. Não me importo de molhar o teclado com a pouca cera que tinha, talvez por não ser um homem assim, polido. Começo a escrever uma história sobre uma moça. Dessas histórias que os próprios dedos pedem. Sucumbi a ela e à cidade. Pois imediatamente após tudo que ouço é um apertar nervoso de teclas grudentas.
Sou um homem pragmático sempre fui. Meu rosto é um mapeamento de livros que deixei de escrever, minhas rugas profundas apesar da pouca meia idade, se ramificam para sempre, sem nunca terem nascido, nem deixado de existir. Desde que existe espelho, existem folhas rasgadas. Parece que ao olhar-me refletido sou tão qualquer. Os músculos contraem-se a procura da expressão sisuda que me permita à frase perfeita. Eu não sou nada além de minhas palavras, também pouco valiosas. Por isso me alivio em textos ruins, poemas ruins, coisas pequenas que remediam do rosto as marcas de um mau escritor.
A tal moça é também escritora e para meu acalento, pouco talentosa, que se imagina boa e sai por aí com um ramalhete de continhos, distribuindo suas flores para pessoas, quase leitoras, em esquinas. Ai se suas palavras fossem tão boas quanto esta cena. Piegas e boas. Eu, pelo menos, entendo-me um mau letrista, assumo minha condição e só escrevo para antecipar a surdez seletiva. Escrevo em pouco tempo e sem revisão. E não porque me falte o primeiro, o tenho de sobra, bem como a moreninha da qual vos falo. Sou escritor por necessidade e não estética; falta-me o assunto morro, senão de tédio, de dia. Ela não, acredita ser indispensável. E os pergunto: como uma boa escritora mantém-se no anonimato? Como uma boa escritora não lhes desperta o mínimo interesse, tanto por sua obra quanto biografia? E por fim, pergunto-me a razão de escrever sobre um ser humano tão ordinário, em seu sentido benigno. E não obstante os respondo, pois talvez minha missão seja de fato afastar essa ânsia da moça pelo grandioso, pelo imprescindível, oferecendo-lhe uma homenagem, embora canhestra por sua existência. Mas a bem da verdade é que escrevo esperançoso, como um creme anti-rugas, pela descoberta da jovem ávida, e, por conseguinte da minha. Num golpe de sorte, quiçá mérito. Encontraríamos os dois a fama que nos coubesse. Comprar-nos-ia, pois outros espelhos. E terminaria a vida no meio do mato, fingindo ser alguém cansado de tanto, como já estou de tão pouco. Curtiria o prazer de toda escrita não publicada, escondido no Best-seller da mocinha sonhadora. Acredito que se o escritor comete a grande obra, todas as outras suas já adquirem credibilidade.
Os senhores devem estar se questionando que tipo de homem médio leva uma vida tão burra. Tendo em vista que a impressão que lhes passo agora, é a de um homem com seus trinta e poucos anos, que não produz nada de relevante e insiste nisso, por razões desconhecidas, almejando secretamente o reconhecimento através do desconhecimento de uma protagonista aleatória. Sim. Sou o tipo fracassado, que vive de renda (não lhes contarei necessariamente a fonte desta, pois só aumentaria o predicado já mencionado) que mal paga o aluguel de um apartamentozinho em um bairrozinho numa ruazinha muito, mas muito barulhenta. Sou o tipo que vive debruçado no computador, esperando lapsos de brilhantismo, e não tenho uma pança característica dos sedentários, pois como pouco e bebo menos ainda. Sabe que a moreninha também nunca teve caxumba, nem catapora, nem aquela outra que tem um nome esquisito que começa com érre. Não comemos nada verde. Acho que esses naturebas gostam mesmo é de sofrer. Noutro dia a menina foi ao médico porque tinha caído e torcido o pé, ele examinou-a, pediu alguns exames e vá entender esses mistérios da medicina moderna, pediu junto um exame de sangue. Ela tardou, mas cumpriu-os todos. De volta ao consultório, percebeu que não gostava de paredes rosa, rosa claro, na verdade não gostava de tons pastéis. Qualquer tom pastel. O que chega a ser esquisito já que de vibrante ela não tem nada. Gosto não se discute e a moça é perfeitamente saudável. Pronto, isto é basicamente tudo de relevante que sei dela. O resto da história são causos, que na minha humilde opinião supostamente imparcial são bem melhores que dados. Eles não serão muito cansativos, pois como já foi dito não costumo me prolongar nas histórias. Serei breve mesmo parecendo prolixo. É que às vezes, há um engarrafamento de idéias e com as buzinas que chegam da janela fica muito confuso organizar-se. Até porque, sempre começo um texto de forma - eu não diria ótima nem repleta de idéias, mas numa escala de um até dez em criatividade, eu ganharia seis, ou sete. Ok sete. Mas meu pragmatismo me acorrenta a planos, faço muitos planos. Aí já começo planejando o final da história de uma pessoa que não tem fim, no sentido de que a moça ainda não viveu feliz para sempre, e talvez, pobrezinha, nem viverá. Inclusive penso que isto pode depender de mim, mas não. Não posso acarretar-me essa importância. A moça vive, e eu planejando-lhe um fim. Planejo um fim para ela, um fim para mim, um fim para meu texto, e um fim para todos outros planos que por ventura venham a existir. E acreditem, eles virão.
Outra coisa que pode ter lhes vindo à cabeça é se a moça existe de fato. Mas acho que pode ser um recurso do escritor, manter esse mistério entre a realidade e a verossimilhança. É um recurso básico, talvez nem suscite a duvida. É que a moça é tão prosaica que pode ser muitas, quer dizer, ela não tem a capacidade de ser muitas, isso que eles chamam de versatilidade, isso ela não tem. No caso, ela poderia tanto ser ela, quanto muitas outras inversáteis. A moreninha existe senhores. Existe tanto quanto meus dedos versáteis neste teclado, e minhas idéias versáteis e inócuas na cabeleira suada. Pronto despi-me de mais um recurso da boa escrita.
Outro dia, ela sem querer deixou escapar uma frase até muito incisiva para os diálogos que proporciona. Droga de metalinguagem. Achei engraçado, ri muitíssimo. Ela disse isso como se tivesse propriedade pra dizer tamanha bobagem. Disse isso como o padeiro que diz droga de fermento vencido, não fermento vencido não, droga de farinha de rosca, porque gosto de metalinguagem. O bom padeiro pode reclamar da farinha. O bom padeiro tem gabarito. O bom padeiro pode até mesmo fazer bons textos com metalinguagem. Outro dia a menina fez um bolo, só que enquanto batia, lembrou que tinha esquecido o fermento. Ai foi procurar nos armários. Agradeceu pela casa pequena. Aqueles estavam cheios de cupim ou sujeira ela não soube direito. Costumava usar só a geladeira, morar sozinha é tão solitário até para os armários. Isso eu sei, mas por ser homem, camuflo a tristeza com o mau humor. Por fim, não encontrou o que queria e acabou tentando a sorte, sua amiga uma vez disse que fizera um bolo sem fermento. Todos os textos que esboçou naquele dia também solaram.
Não sintam pena ainda. Esse tipo de infortúnio acontece conosco, quase sempre. Porém, compadeçam-se previamente pela moça, pois lhes contarei sobre o desamor. Talvez narrá-lo seja um tanto complicado, porque não sou o tipo do homem sentimental. Eu mesmo, nunca me apaixonei. Acho mulheres chatas, de um modo geral. Querem que você se encaixe ao padrão delas, querem sempre moldá-lo com o tempo, mulheres adoram a imagem que elas tem de você e naturalmente essa imagem é tão absurda e mítica que aqueles bravios capazes de sustentar longos relacionamentos merecem a canonização. Não sou homossexual. Basicamente porque não penso o sexo como uma escatologia. Okey, os senhores me acham categórico e falastrão, tudo bem, porque grande parte disso é só banca (de jornal decretando falência).
O rapaz loiro de cabelos muito lisos estava parado no canto. Pela maneira como retirava a mecha que lhe caia nos olhos não estava ele sozinho por desventura, mas por opção. Ela dançava com um parceiro insignificante, ou melhor, sua despresença a causaria menos bolhas. No meio de um rodopio houve um instante de silêncio, olhos nos olhos, embora Cartola cantasse nas caixas de sons chiadas. Pronto, arranjava ali a moça seu par fixo. O subúrbio virou Paris num minuto. Luzes e cores e sons e mais luzes – ela escrevera esta frase num conto chamado Paixão, percebam o quão rudimentar é sua escrita, coitada, parafraseá-la me é um suplicio, mas deixa estar que ela ao ler isso aqui vai sorrir. Provavelmente, o rapaz encantou-se com suas risadas, é o que de melhor ela sabe fazer. Aliás, damas servem para isso, encher vazios de conversas com risadas. Ou damas ou blues. Eis que numa curva brusca na volta para casa o ônibus chacoalha o que já tinha lugar cativo (a culpa é sempre da cidade). Sabe estou cansado dessa coisa, desses ônibus, desse bairro, de toda essa gente. De mim? Ela pergunta, esperando o não. De você, talvez seja isso, estou cansado de você, saí da dança. E do ônibus (a cidade é tão imparcial) que continua sua rota até o ponto final. A menina chorou tanto que inundou sua casa, rabiscou os livros, depois comeu os lápis, as canetas, os dedos. Até esquecer, e rir do menino loiro que não batia a sua porta, mas só pensava em bater. Para mim, pensar em bater é pior que não bater, bem pior. Tudo em iminência é cheio de tantas coisas que não tem espaço pra coisa alguma. Quer dizer, fica por isso mesmo, a vontade do rapaz afinal, ficou tão banal quanto essa combinação de palavras. Sim senhores. A produção da moça foi altíssima durante o período pós-término, pobre de mim, para saber de tudo, e aumentar-lhes a riqueza de detalhes da história, gastei dias lendo tudo aquilo. Coitadinha, duplamente.
É interessante pensar no pós-termino. O que farei no pós-termino desse... não sei que nome dar a isso aqui. O que farei eu no pós-termino? O que os senhores farão no pós-término?
Penso que o que vale na vida são planos, porque a realidade é chata e os planos são os sonhos, masculinos. Sonho, claro. Mas não fico por ai sonhando feito a morena, tenha paciência. Só quando durmo e quando lembro, fora isso planos.
Pois é, estou começando a ficar repetitivo, isto é sinal de barulho brando, de pouco tráfego, ou barriga vazia, ou sono, ou sinal de que não conseguirei transformá-la em nada de relevante.

Desculpe moça, falhei com você. Não que tivesse prometido o mundo, sabes disso, mas, honestamente esperava ao menos um bom término, enganei-me, meus cabelos também são loiros. Gostaria eu de ser um homem otimista, mas seus textos não são ótimos, desculpe-me, vá arranjar um trabalho de verdade, vá. Algum de nós dois merece um pouco de sucesso. Vejo você chorar baixinho, permeando meu coração contigo, quero voltar ao início reescrevê-la. És grande, és grande moça. No entanto, não posso, sabes que não adiantaria dar-me ao trabalho. Minhas palavras são vãs.
Sorria morena. Case-se com um grande escritor. E por favor, esqueça estas linhas.
Perdoe-me. (não pode ser!) Te amo.