segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Meio meu

Ela se espalhou na cama. Bonita, com colcha marrom e estrelinhas que tem uma bola dentro, não são bem estrelinhas, são tipo só losangos. Ela também era bonita, mas vestia preto e as bolinhas na roupa eram em alto relevo. Qualquer abraço não viria só macio, seria relevante. Mas nunca foi de muitos abraços. Abria uma boca ácida, quando, por favor, a acidez dos outros conflita muito com a nossa.

- Olha, olha bem, você jura que essa mulher não é bonita?

- Ué, juro.

- Burro!

(-Tá, é, óbvio.) (Bancando o mau ator)

E não somente, porque este azedo, conflitava com a posse. Quando, por favor, a posse é tão inventiva.

- Ah é? Então “suponhamos” que você estivesse comigo, você ficaria com essa pessoa?

- Não... Nunca... Estaria só com você.(Bancando o bom ator)

- Mentira!

Quer dizer a posse aí não está tão clara, só pra quem pudesse perceber profundo os olhares acusativos dessa primeira frase. É a mãe já com o chinelo na mão e o filho com a boca suja de marrom, mas mãe eu juro que não comi o chocolate agora, guardei pra depois, e também eu juro que vou comer tudo no jantar. (É claro que a criança entrega em especial depois dos tambéns, mas também o tempo tinha que trazer qualquer coisinha de bom; ser sutil adianta com os poucos vividos e ameniza com quem se deixa amenizar. Aliás, vivência é tão sutil que tem muito pouco a ver com tempo.)
Apenas para o deleite da prosa é que faço a distinção das posses. Posto que não há relevância alguma no tópico. A posse do “isto é meu” é um pouco burra pras coisas materiais, só não é de fácil percepção, já pras imateriais é quase que completamente boçal , mas todo mundo insiste em mantê-las na idéia de não-fácil percepção. Certo, a saída para os não céticos é que perdoar ainda é divino; pros céticos, fica a racionalidade mesmo. O outro tipo é quando “isto não é meu, mas eu ajo como se fosse”. Risos. (Tem isto no diálogo supracitado, agi como se pudesse ser engraçado.)

Tem outra coisa também: “isso é muito meu”. Só que isso aí, tem posse zero. É só uma manifestação imprescindível e auto-suficiente que constata. Na verdade, serve pra muito pouco, quando em muita, chata, e quando certa, bela.

- Outro dia eu tava passando pelo Aterro, naquela parte que as árvores dão licença pro mar, e ai vê-se um pouco dele, um pouco de pedra, um pouco de prédio, em meio à tudo sabe? Daí falei, meio que em voz média, do tipo deu pro cara do lado ouvir e ele tava um pouco dormindo, O Rio é lindo.

- Po, isso é muito seu.


Vê? É bobo, quase bonito, com lapsos de imprescindível, e isso é muito meu.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Eu vou pra um dia vôo