sábado, 31 de maio de 2008

Ventríloco

Se eu pudesse, mastigaria e te daria pra comer depois, o que vai te nutrir e te fazer crescer. Quando ando sentada nesta cadeira e te tenho em meu colo, meu coração vem calmo no peito. E até vir a cadeira de balanço e as pernas doerem já inchadas pelas andanças circulares, ter-lhe ao meu lado. Percebe que há movimento, na minha idade tal movimento é vida, na tua é ilusão. Fica aqui que é mais seguro. Só vá até onde não preciso dos óculos. Não me perca de vista. Se te deixo ir por descuido, me arrependo por cuidado. Quão emancipado és! Já podes andar com essas pernas brancas, marcando a areia, mas vou na frente, reforce meus passos, vem por aqui.
Espera um pouco, isso não combina, isso não te cai bem, todos verão, ninguém vai ver, esse não está bom, isso não é direito, não vai dar pé, não serve; são só sugestões, restritívas. Falo porque já sei. Que a sua queda me mata, que suas lágrimas em mim diluviam, que o seu fracasso em mim sangrou, que sua doença me deixa de cama, que os seus desamores me ensozinham, que o meu não te nega o pior. Porque és meu boneco, meu. E te moldo com esse amor que sei, podando pouco, os cabelos; e que tenta me explicar com o mesmo olhar curioso, medrosa de possibilidade, pois, não me permito aprender, então...Olha por essa fresta que te inauguro, antes tarde, o (teu) mundo perfeito.
E o boneco diz:
- Te amo.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Amor caduco

Já sei
Ele vem tal hora
Nem abro um sorriso
Talvez alguns, contando o que fiz no dia,
Só.

Feito chuchu e creme de milho
não tem muita graça
mas é quentinho e enche barriga
Traçamos planos
Sem propulsão.

Como o prédio de primeiro andar
Que sentados na varanda
de pé direito altíssimo
o bairro é frio e pra esquentar os pés
meias, nada mais.

Mas que cabeça a minha!
esqueci a colcha de retalhos
na casa da avó.
Eu sei como é
e dou um beijo de pena na careca dos velinhos.

Talvez não,
porque aos domingos não vejo netos
mas filmes
que poderiam ser todos meus
Alugo-os.

Lá dentro é bom
Fora, esperado
Chorei ontem pelo equilíbrio
Tenho um medo
e um irmão
tudo isso...

sábado, 24 de maio de 2008

De jogo

Sim, ele foi gravemente ferido. Um tiro no pé.
Quantos caminhos suntuosos e nãos poderia receber. Além das cantigas de amor de um trovador sem tristeza. Um equilibrista, de segurança invejável. Nenhuma variação na voz. Havia diferença clara entre grave e agudo. Dormia feito pedra. Quando acordava lavava o rosto, molhado e austero, seu próprio rei em cômodo com trono, nunca incomodado, nunca. Fácil ver-se refletido, fácil missão calculadamente cumprida. (Sem prepotência) julgava-se bom.
Que forte é aquele que caminha em nossa direção. Não sabiamos de onde vinha. Nem sabiamos porque vinha, ou sabíamos. Perguntamos-lhe as horas e sem olhar as respondeu. E isso não é, ninguém quis conferir. Por isso perdera o menino. "Como é que ele cresceu!" diz a velha com a mão em seu ombro e não nas bochechas. Não importa como; cresceu. Notava-se faz tempo.
Notável rapaz, que sabia até o que não sabia, e insistia mesmo sem saber. Até que nos meados parou num jogo. Um jogo desses qualquer. E o invicto resolve que merece um pouco da diversão boba, permite a alienação já constatada. Pára diante da adversária, vê toda a superfície. Não se perca no tabuleiro, pensou com os botões. Abre um sorriso e ganha. Mas não é só. O olho coçava dentro da armadura, uma coceira fraca, engraçada, mas coceira. Levantou, bem pouco a parte que protegia dos olhos a luz, e aí viu.
N'outra feita tinha tempo e pode parar, houve o mesmo.
Então de novo, um tempo curto que sobrava, viu-se ali em frente à ela, e porque não?
Nem era de azar, mas viciou-se, vinha não pelo gosto, nem pelo ócio, nem a alienação, nem as peças, nem o tempo que esquecera. Vício de vir.
Eis que um dia ao acordar demorou pra vestir a armadura. Quis parar num dia inteiro, mas a engrenagem não permitiu. A dúvida infema do encontro funcionava.
Foi. Logo no cumprimento lembrou a armadura esquecida. E foi jogando, ele falso temeroso, ela pronta para perder. Iguais os dois (mas ela ria da derrota esperada, e falava, e gritava, errava, rodopiava, como sempre).
Cansou, era massante demais. A vitória fácil, previsível. Lembrou-se da arma que trazia sempre consigo, e desta não esquecera. Houve tempo, era a vez dela jogar, enquanto ela coloria as peças e brincava com os cabelos, ele carregou a arma, pronto para matá-la, ia ser fácil, imperceptível, insignificante, ninguém lembraria mesmo daquela (nem as partidas). Pronto ia ser assim, a última rodada. Dedo no gatilho. Um suor escorrido. Nenhuma voz.
Ela joga. Ele viu. Viu que ela joga assim mesmo. Há um estouro, ele vence a partida.
No caminho de volta, há passos manchados ainda frescos.

domingo, 18 de maio de 2008

Alarme

O tempo feito um pêndulo
Segundos infinitos grudentos
Gruta em dia lindo
Eternamente fria sem remédio

E olha: sentei na cadeira dura
Recostei no sofá mole
Deitei no colchão grande
Cochilei no banco do carona
Morrendo nessa cadeira que gira

Estou perdido em tempo
A tempo
Há tempo?
(ou) Já é tarde
Não durmo

Não acordo
Não tento
Nem quero
Inerte choro
Inerte sorriso

(Toca o alarme, arregala, não... é só o relógio)

sábado, 17 de maio de 2008

O novo sommelier

A boca hidratada com a saliva de mel. Os lábios quentes velejando toda a face. Calmo, de leve, nem sem tempo não há pressa. Assim, com todo cuidado, e dedos de vento. Toma-me como um sopro de coração batendo (em francês).Numa taça ambígua frágil; na cidade luz pela metade porque prefiro ver no escuro. Por lá, há um entendido que, sem mais nem menos, vem e subjetiva tudo. E chega a sede irremediável. Até quando num desses amanhãs lhe provarei mais um pouco.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

"Apenas um rapaz Latino-Americano"

E tem logrado no vasto mundo da percepção. E apreciado a beleza medonha do ócio. E destilado seu vasto quoeficiente inteligentóide em gente que aquilo não vai entender jamais. Porque o que o lúcido tem é a liberdade de um mundo inteiro pelos lados, mas prefere o mochilão nas entranhas. Acampado num corpo sem maus-tratos e sem exageros. Os pés sujos no leçol limpo e desarrumado. E a cabeleira deitada na fronha quente pensante, só nas boas filosofias. "Faça isso!" Ele faz, ou não. Desobedece ao comum e vive nele sem reclamar. Camuflado como uma coruja na noite fria da serra. Poucos reconhecerão e, de certo, muitos lembrarão do menino, para sempre menino. Crescente como tudo que brilha ali em cima, para sempre também.
Viva o músico!

domingo, 11 de maio de 2008

Box

Num banheiro incomum há um abajur, provém a única luz do lugar.
Disso não há qualquer antecedente, nasceu ali.
O chão frio sustenta o casal nu. Sentados os dois. Com tudo escorrendo bem longe dali.
Os diálogos em versos pensados deslizando pelo mesmo chão, para morrerem sem gozar de existência.
Em caixa de vidro, a água quente que chove nas costas, mancha a dela de vermelho, a dele não se vê.
Há um abraço desconfortável, nos corpos feios e sujos.
Há um beijo fraco nos lábios secos.
Há línguas chulas nos céus grenás.
Ainda há tempo.
Até que nada disso importe, o vapor inale tudo o que sempre houve. E as lágrimas salguem o dilúvio do desquerer.
Até que não se veja nada além da caixa antes lisa e disso não há qualquer futuro pensável, nasceu ali.
Cabelos molhados, é tudo feio. Deixa estar o chão que não é mais frio.
Abraçados:
-Me abraça. (não se sabe quem disse)
Continua até toda a água acabar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Biografia do eu-lírico

Para ir daqui ali, flutuo.
Ás vezes penso que só esqueço quando já não me lembro, só que aí é rápido como pisar no chão, feito mola comprimida.
Tenho prazer em banho-maria, em doses tão mal divididas, chego a chorar pela felicidade, pelo calorzinho. Não, não tenho mais dúvidas de que esteja acelerado. Posso sentir. Atualmente aprendi a sentir sem saber, mesmo com a cabeça, a prática, a praxe...
Recompensa por uma única vez, em anos, eras.
Me jogo sem medo, de costas, e não grito, até chegar num céu de flocos espumados.
Se bem que ainda caio livre, e não me belisque!
Parece que estou de bem.

Aluado

Se a tristeza mesmo póstuma
Carrega por aí sua mortalha
Sob um lindo chocalho
Invisível, translúcido
Que, às vezes, me lembro de ouvir

Se em todas as noites
Por ser o único girassol murcho
Vislumbrei seu vestígio
Num outro telefonema
Numa carta de amor
Num passado pequeno, voador

Onde é que o homem procura
Até achar o guri
Porque a demora fria
Dura feito gema
No dia quente, tanto fiz que encontrei a saudade

Se ainda periga na tua mente
As minhas pétalas de lua
Clareando o antigo toque
A resposta se fez surda
Há quantas anda o grande amor?

domingo, 4 de maio de 2008

Dicionário

Sempre que bate um vento aqui e machuca a persiana eu fico a imaginar o quão vazio um homem pode ser.
Não que o fato provoque qualquer efeito reflexo, mas o barulho de umas batendo forte nas outras, pertubam a minha audição intacta no apartamento.
Não ouço música, não gosto. Não tenho bichos, sou alérgico. Meus pais moram cerca de 6 kilômetros daqui, não os vejo há 5 meses. Sou biológicamente são. Não gosto de homens, e minha sexualidade é enrustida. Minha mãe costumava amarrar meus sapatos lustrosos nos domingos de missa, só uso chinelos. Trabalho numa xerox, tiro cópias e mais cópias de assuntos que em nada me interessam. Minha chefe, ou chefa, não sei se a palavra permite a variação de gênero é louca por mim, às vezes deixa em cima da mesa fotos íntimas para que eu as amplie, quando meu trabalho se restringe a tirar xerox, e é o que de fato replico, quando ela solta os cabelos loiros e já gordurosos por um dia quente, soltando também um sorriso amarelo "é verdade esqueci, peço à Lídia". É engraçado como mulheres lindas conseguem sempre achar um ar misterioso em caras banais. Não poderia satisfazê-la, minhas banalidades são por demais egocêntricas. Não como há dois dias, sou magro, sei cozinhar macarrão, só macarrão, sem molho. Vomitei branco anteontem. Tenho dentes sensíveis, minha geladeira é cheia de água muito gelada, mesmo estando no mínimo. Sou um duro, tento escrever. Outro dia tentei escrever sobre os tijolos cor de carne. Mas não me encanta a literatura, um suposto amigo me disse isso. O que te encanta é a gramática, a fonética. Perguntei "porque achas isso?". Este respondeu que eu passei horas o indagando sobre a maneira correta da pronuncia tijolos, porque não tijôlos e sim tijólos. Respondi que as palavras me dão náusea. Menti. Eu até que gosto da coisa, mas quantos eus não param inúmeras vezes por dia com essas mesmas impertinentes questões, nada filosóficas. O que mais pode interessar o homem contemporâneo se não a filosofia. Não posso admitir que isso é tudo que posso pensar, e se sim, jamais faria Letras, coisa de bixa; bicha. Não tenho dinheiro para faculdade. Não tenho paciência pra estudos, misantropia e convenhamos não faço o tipo professor. Sei exatamente quantos bom dias, bons dias pronunciei até hoje. Eu pensei em me matar, mas não encontrei coragem, nem motivo. Não ando, vago. Não estou, nunca fui.
Há um culpado, claro! Isso há sempre, eu? Imagine. Segui a risca tudo que no particípio me foi dito, lido.


vida:
estado de atividade de animais e plantas;
existência;
espaço de tempo decorrido entre o nascimento e a morte;
modo de viver;
profissão;
emprego;
conjunto de coisas necessárias à subsistência;
biografia;
movimento;
calor;
subsistência;
sustentáculo;
origem.