segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Fumaça

E então o homem se viu triste e incapaz. Entrou na sala rodeado de livros. Ele não entendia nada. Sentou-se no chão com as pernas cruzadas e assim permaneceu. Estava calor era dezembro e o Rio era um inferno. Ele sentiu náuseas, talvez pelo calor, ou quem sabe a poeira, o cheiro de antigo, o carpete. Respirou fundo. Quis declamar um poema e sabia muitos, não soube escolher nenhum. Respirou fundo. Gritou a Cláudia, que veio de imediato. Quis cantá-la. Não soube o que dizer. Ela respirou fundo e saiu.
Ele acendeu um cigarro. Fumou. Tossiu. Apagou. Uma pilha de coisas, ele pensou, coisas inúteis. Informações demais. Informações que não serviam para nada. Cultura inútil. Para ele toda cultura era inútil. Serviam para perpetuar a sua iminência intelectual e apenas isso. Aperfeiçoamento do ego, leitura era eufemismo. Para que tanto?
Acendeu outro cigarro e queimou os clássicos. Cadê a vida? Que vida? Nem virilidade ele tinha mais. A única que poderia fazê-lo contar historias. Nem isso tinha. Casamento infeliz. A amante era o diabo, para que ameaças. Acabar com meu casamento, que casamento? Cadê o amor? Não tinha. Nem para si próprio.
Queimou os românticos. A pilha ia diminuindo. Mas não sua angustia. Que almoço o que... Não quero! Outro cigarro. Queimou as crônicas. Vivência dos outros não mais o interessava. Reter-se a algo tão pequeno. Parar pra pensar. A reflexão traria apenas tristeza e nostalgia para um homem sem histórico. Sem ficha feito ele. O que era? Era um nada, um zero, ausente.
Queimou. Queimou. Fumou. Queimou. Fumou e queimou.
- O que há com você ?
- Não há nada.
- Onde estão meus livros?
- Não sei.
- Você queimou meus livros.
- Nossos. Queimei.
- Você não almoçou.
- Não.
- É um doido sabia?
- Por quê?
-Porque sim.
- ok.
A mulher fecha a porta. E ele sozinho com câimbra nas pernas e náuseas terríveis. Fumou mais um cigarro. A prateleira continha dez, exatos dez livros, os primeiros que tinha lido. Livros infantis. Uma casa de sorvete, ele sorriu. As mãos sujas de cinzas. Cinzas suas, cinzas de alguém que leu, pensando em viver e acabou não fazendo. Agora lê a casa doce que se derrete no calor. E se sente dentro dela. E sente o gosto do sorvete no sol. O gosto fedido das cinzas. A cor uva do teto desfigurado, um mar de tinta roxa amarga.
- Quanta bobagem!
- Como?
- Esse seu choro, esse calor, o cheiro insuportável, esse seu livro. O que há com você?
- De novo?
- É.
- Há... há... não há nada.
- Quando é que você vai para com isso?
- Isso o quê?
- Suas meias palavras.
- Não sei. Nunca. Hoje.
Ela sai.
- Quer um cigarro?
- Como?
- Quer um cigarro?
- Não fumo Eduardo.
- Não quer?
- Quero.
Ela se senta ao seu lado.
- Você é triste não é Eduardo? A culpa é minha?
- Não. A culpa... A culpa... É do calor.
Ela ri. Ri muito. Ele não.
- Podemos ligar o ar.
- É... Podemos.
Ela vai na frente, ele demora para se levantar, deixa a sujeira, as cinzas e o maço vazio para traz, apaga a luz e respira fundo.

Um comentário:

Unknown disse...

Isso é seu? De onde vem? Queria saber. Não me canso de te ler, sabia?