A menina queria inventar adorava inventar. Ela tinha inventado coisas, das quais ela mesma duvidara, e outras que ela jamais entendera. Tinha seus próprios dialetos, mas não aquela coisa conceitual, própria dos jovens, muitos menos as línguas dos “pês” os coisa parecida. Essa menina vivia com a avó, uma senhora. Costureira. A avó era costureira, e remendou a vida de Adelaide como pode. Cortou o A-DE-LAI-DE em pedacinhos e só aproveitou o del. A Del vivia inventando moda. E a avó jamais interferiu na vida da menina. Deixa a minha Del viver, porque a vida é curta e eu já vou me indo. A Del achava graça da coisa toda e foi incapaz de fazer qualquer coisa errada. Esta que sabia aproveitar a vida só quis saber de inventar coisas. A menina vivida que nem só ela, jamais deixou seu quarto. Fez daquilo o seu mundo. E a Del foi assim, passando a infância, o fim dela, a mocidade, até que a menina completou os dezessete anos. A avó fez uma festa. Para ela e Adelaide. O bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro tinha em cima dezessete jujubas coloridas, formando seu nome Del. Quando a menina viu aquilo desatou a chorar. E não sabia se abraçava a avó ou se abria o único presente que esta lhe entregava ríspida. A velha agüentava de um tudo, mas ver a neta feliz daquele jeito lhe amolecia o coração. “Toma logo isso menina. Pega vai” e a Del só falava retalhos de palavras de tanto que soluçava.
Foram guardar as louças na cozinha . Dois pratos; dois copos, mas um com borda vermelha de batom de vó; duas colheres; uma garrafa vazia; metade de um bolo; alguns sorrisos e algumas lágrimas. Tudo isso elas foram botando no lugar.
A velha ia ligar a televisão. Tava na hora da novela. Mas hoje ela não ligou não.
Sentou no sofá ai a Del sentou do lado.
- Não vai ligar vó?
- Vo não minha filha.
- Porque cansou?
Ai a velha se recostou no sofá, igualmente velho.
- Minha filha eu to sentindo que já to em tempo.
A Del se deita no colo da avó e olha pra cima. E tudo que ela vê é branco. Os olhos estão cheios d’água. Ela fez que não entendeu. Mas entendeu o que a avó queria dizer.
- Sua vó esta cansada sim filha, mas eu to muito feliz viu? Sabe por quê? Porque eu te criei pro mundo minha Del.
As lágrimas quentes escorriam pelo rosto da menina que molhavam a saia que a velha mesma tinha feito.
- Fique triste não, eu já vivi por demais. Já vivi três vidas, já fui eu já fui tua mãe e já fui você. Fique triste não entendeu?
- Tendi. Tendi vó. To com medo vó.
- E quem é que não tem minha filha. Medo todo mundo tem. O que eu já tive foi é medo nessa vida. Mas isso passa. Agorinha mesmo, nunca mais tenho medo.
Então a Del senta e encara a velha.
- Mas a senhora ta sentindo
- O que? A morte?
- é...
Ai a velha fica quieta. Fecha os olhos. A menina prende a respiração. E vê tudo passar diante dos olhos como num filme. Os olhos mesmo fechados, não impedem que as lágrimas saiam. Ela devia estar triste, mas tudo, tudo que ela vê é lindo. Então ela sorri de olhos fechados e chora.
Ela abre os olhos e passa a mão nas rugas da avó. Como sempre fez. A velha não se moveu. Del a abraçou, tão forte, tão forte, que perdeu as forças e dormiu. E com a boca suja de chocolate acordou no outro dia. Completa. Reinventada.
Cheia de alma.
No epitáfio dizia. Aqui jaz Adelaide Silva.
A Del nunca sentiu medo.
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