segunda-feira, 7 de julho de 2008

Fim

Foi difícil, nós conversamos, ela não sabe dizer quando começa o fim do amor. Ela foi embriagando um monte de palavras, trocou as pernas e errou os abraços. Lembrou-me das brigas antigas, naquelas em que vermelha, gritava de raiva, até não poder mais, aí me abraçava, como quem escolhe antes o lugar do desmaio. Foi diferente. Ela disse que o fim de amor não tem memória. Eu não entendo nada do que ela diz, acho que é por isso, não a memória, o fim. É que ela fala bonito, é rebuscada sabe, não sei. Ela, na semana passada me ligou, perguntou por que eu não ligava, e eu perguntei por que ela não ligava, ela disse que sua frase era ambígua, nem me deu tempo de falar, “Você parece uma despedida” e desligou. Eu entendi, eu entendo. O telefone toca novamente, eu atendo, está mudo. Não estava mudo, tinha ela, orando esporros.

- Você não vai falar nada? – perguntei. O silêncio continuou. – Não espere que eu fale. Você sabe que eu não dou pra isso. Eu sou aquele que parte, não é o que você diz? Que sou aquele que parte?
Isso porque eu já havia partido, e também seu coração. E quando bem entendia eu partia, no início era assim, o amor ardia tão quente que me fazia ir embora. Era isso, não traição, eu nunca a traí. Ela dizia que a traição era só a iminência. Tá vendo como ela é? Ela é sauna (a vapor, embaçada).
- Sabe o que acontece?- começou o aparelho. – Acontece que eu vivi nossos últimos dias, e o pior é que você nem deu as caras, mas foi bom, talvez se desse eles não fossem últimos. Eu vou aí.
- Não! (o homem tem medo) Não vem agora, to ocupado.
- To indo.

O som de ocupado é solitário, muito. Nem vou ao espelho ensaiar o final, ela se bem a conheço, passou os últimos dias feito Narciso. Permaneço imóvel ouvindo a sinfonia telefônica, ela viria roubar meu posto. Viria até aqui, só pra partir. Tudo bem, eu concedo, veja como sou um bom homem, dou-lhe o prazer da partida, deixo para ela o fim do gênero.

Só que ela não vem. Dormi no sofá, com a porta aberta, perigando resfriar-me. Ela não vem e não liga pra dizer por que não veio. No dia seguinte, tentei não a esperar, sem sair do sofá. Mais um dia, e infantil, checo até a correspondência, fui ridículo. Foram três dias, t-r-ê-s dias.

- Cadê você? Não disse que vinha?
- Eu vou, to indo.
Acho que entendi o troço da iminência.

Veio. Algumas horas depois, me chega. Irreconhecivelmente bêbada. Meus vizinhos estão viajando e não por isso, fizemos amor de porta aberta. Feito macacos. Só ela gozou (do meu posto). Agora me parecia sóbria, e nua. Conversamos amenidades, enquanto eu vestia as calças, como se ainda fosse possível. Como se ela precisasse desse instante para organizar toda a confusão destilada do tempo a sós que tivéramos juntos, todo ele num gole só. Eu tenho pena do início, pensei. Num resquício de conexão, nos olhamos. Com pressa, fingi não entender.

Assim, sucedeu-se a briga, a irritação beirando a inconsciência, as frases e seus gumes emblemáticos aos ouvidos, a revelação das ratoeiras, as incríveis verdades e a agressão física completamente branda e ineficaz, uma mola (que precisou comprimir para distanciar). Ali sim, fizemos amor, o fim dele. E eu descobri, tendo-a sozinha em meus braços, onde começa, e há quem diga o contrário, mas não; é na mola, exatamente, o fim do amor começa ali.

Um comentário:

Chico Motta disse...

Gostei do texto, me incomadam algumas coisas, mas num geral gostei.
Vc escreve eu lírico masculino mas as expressão é óbviamente feminina, além de algumas pieguices... Mas eu gostei, gostei bastante até.

Lê meu blog quando puder. Escrevi algo lá faz um tempo. Acho que cabe a sua leitura.