quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Insisto

E ser assim
Com a aflição de querer ser boa.
E sem olhar pro céu já saber a soma
Sem ter pretensão, entender-se feia
Sem ter medo, mesmo mentindo, por ser só coração
Ir andando andando andando, sem pressa, em multidão.

Empassarinhar no colo de mãe
Voar bela, voar simples.
Conquistá-los todos, peneirá-los todos
Cavar buraco em chão, em gente, em nada
Acal.mar a correnteza das veias em versos.

Então sentada.
Rasgar.
E ter tendinite nas mãos por descanso aos pés
Pois desiste.
Rasgar e amassar.
Olhar pra trás, muito. Dentro
Ver o mundo
Bola de papéis
(Todos seus).

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Confesso

Ainda restava um muxoxo de amor rejeitado. Mistura dos sentimentos ruins no teatro do fim. Havia uma pré-qualquer coisa que mantinha o desalinho do ritmo nos dois corações. Um que batia demais, um que teimava em bater. Talvez nele só o pré. Um pré que não me cabe.
Quanta ousadia essa coisa de só querer bem. Se ainda atenuasse a estupidez do telefonema último (expressão feia dita, e feia feita). Não. Não há pleonasmos para o fim. É chão e pronto.
Ainda que alguns tentem exigir de você o amor-próprio, esse antibiótico da razão. E pra quê? Como se não houvesse beleza na dor.
Até rasgar a cabeça o pensamento lotado. Até estuporar a raiva no espelho. Até secar feito lagartixa na cama encharcada. Para pisar na rua só. Só pisar em todas as ruas. Soubesse quão difícil foi acreditar na fatia do eu que um dia tive. Quando fui tão toda. Agora eu era nada.
Enquanto minha coragem, feito um casaco usado, com pena de jogar fora, ficou guardada no teu armário. Faz frio, meu bem, é inverno aqui fora.
Depois tem saudade, como a saudade é orgulhosa. A saudade é nublada pra quem sente. Não é sépia, é cinza. Vez por outra se esquece de durar. São lapsos. É burra. Como é burro não te ter saudade. Como é burro um você pretérito. Eu te penso, ás vezes.
Hoje eu sorri. Sorri depois que te vi desde a ultima vez que te ouvi sem depois.
Você continua; persiste no seu ritmo que não ralentei. Porque é isso que o amor faz, faz ralentar, demorar, dá pano pra manga.
E Eu não. Terminei. Cheguei. Sorri te rever. Senti-me oca. Oca bom. Analfabeta de amor de novo. Senti-me pronta, pra quê não sei. Mas pronta.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Sentido

E quando cheira o colo quente
Nas mucosas impregna
Um quê de coisa escondida
Quê de coisa sagrada
Sob vertigem de um homem púbere

Nas tramas das camas vividas
Há tanto
Quanto a minha flor da pele escarrada na tua avidez
Quanto no morno da saliva arrepiando quase as coxas
Quanto no prazer liquefaça-te quase nada,
senão relógio

Então segue com tua cara limpa
A escritura do meu corpo
O braile das digitais
A febre da minha saudade
Que penso em ti ausente

Depois ligações fedendo a outros corpos
Trazendo na voz do novo encontro
À câimbra emudecida aos poros
Quer teu eu embora incerto
De novo em mim

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Uma noite

Era tão noite que o relógio parecia à tardinha. Mesmo aquele nervoso dos insones já havia passado. As preocupações burras das horas não dormidas e da alvorada próxima já não lhe preenchiam as idéias. Levantou-se da cama inútil e foi ate a janela acender um cigarro. A fumaça por ela produzida não subia mais que ali o quarto andar. O universo é um Deus intocável, um que contempla. E ela cética, não se rendia a enigmas sutis. Inclusive, achava ruim admitir que se sentia realmente especial só por reconhecê-los. Por isso seguia prosaica uma vida de escritório, embora não trabalhasse mais num. Mas não era o desemprego que a perturbava aquela noite.

Era uma saudade de alguma coisa. Era o cheiro da avó quentinha. A nostalgia do enterro do passarinho no quintal. O balanço na árvore. O gosto de gelatina de framboesa. As cento e vinte e duas conchas ou brancas ou cor da pele do verão em Santos. Os primos. O bolo de fubá. A Dona Elza. As fitas de cetim rosa. A geladeira azul piscina; da sua, agora, ela tira um pedaço de gorgonzola e come cheio de lágrimas. Ser adulto fede.

Isso não é hora para telefonemas. Não que fosse educadíssima, conhecia por alto algumas normas básicas de convivência social. Sentou-se ao lado do telefone. Tirava-o do gancho, escutava o som continuo, tinha linha estava funcionando. De novo, ainda funciona. Mais uma vez, perfeito. Acendeu outro cigarro na janela, e agora soluçava ao universo. Tinham nomes, todas aquelas estrelas. Resolveu discar.

-Alô? Alô?

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

Desligou. Respirou fundo, por duas ou três vezes. Secou as lágrimas. Enrolou os cabelos num coque preso por um lápis. Ligou novamente para escutar a gravação.

- Rodrigo, sou eu. Você não deve estar acordado. Você com certeza não esta acordado. Como esta a Mel? Os filhotes venderam todos? Encontrei sua mãe semana passada no mercado, ela esta bem, não? Ela disse se me viu? É que eu estava com pressa, não pude parar pra falar. Enfim, ela nunca gostou mesmo de mim. Ela me evita agora. A Brigite me chamou pra ir a Paris, ela trocou de apartamento, quer minha opinião com os móveis. Eu disse que estava com fotofobia pra Paris. Se der me liga, um beijo.

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

- Rodrigo, eu não estava pronta. O médico tinha dito que era só embrião. Ele deu uma explicação convincente, eu não to maluca. Disse que o cérebro ainda não estava formado que não havia consciência. Desculpa. Eu não consigo. Errei, sou culpada. Já não durmo. Não sei mais escrever. Ta tão escuro. Não me mate, se há amor, não mate. Sou ruim, sou má, você não. Me ajuda. Não sei. Me desculpa.

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

-Vá até a janela Rodrigo. Faça isso. Vê bem como as estrelas morrem. Corre até a janela pra ver. A gente nem sabe o nome delas. A gente nem liga quando já é dia. Me enoiteça Rodrigo. Me enoiteça de novo. E olhe pra baixo no teu céu se não, outra estrela se apaga. Te amo.

O interfone do primeiro andar toca, e é atendido quase que de imediato. “Oi seu Rodrigo, bom dia, desculpe incomodar o senhor assim cedo, mas é que a dona Cristina do décimo andar ta querendo sair com o carro da vaga e tem um outro carro aqui atrapalhando, aí eu fui lá ver era a Dona Clarisse que tava parada lá dentro dormindo um sono de pedra, ai eu to meio sem jeito né... ai to avisando o senhor... vai que o senhor que é esposo consegue avivar a dona.”