quarta-feira, 18 de junho de 2008

Napoleão, o trocador e o espaço

Deixa que a lua venha banhar meus olhos correndo a cidade quieta, que jeito pra aliviar a dor de ser eu, essa dor tão egoísta que só divido, com o casal que concebeu-me no encontro simples e infortúnio, pagarei com a dor noturna, que é a noite esquisita, de longe da janela, é sempre tão acesa e vívida me faz abrir os olhos, uma vez desgrudados, de perto, é quieta, sem pressa, com sombra. Portanto, eu nu, só de roupas e vivo de fome, viajo nesse ônibus apressado pra chegar a lugar algum, até cair em mim. Quão longe é o infinito? Poderiamos pegar a estrada que sai da Terra, que leva aos planetas, que não tem propósito, sem destino, vamos ser astronáutas! Nós todos! Nós e Napoleão (meu cachorro), nós e o motorista(e o trocador), e talvez eu, aquele cara sentado ali no ponto final. Que culpa é essa que carrego no negro dos olhos? É a noite? Só pode ser. E nem chove pra execrar essa tal dádiva, e torná-la turva, confundir a visão com a cabeça, deixar que a enchente nos torne a manchete do jornal de última hora “ônibus desaparece em enchente”, aqueles que ninguém lê, os que só os porteiros comentam, com as madames que nem ouvem quando já estão no elevador, a notícia que não subiu, porque flutua por aí, como o passarinho que vôa sem saber porquê, sempre ao primeiro raio clareante. Nunca vi pai de passarinho chorar. Foi difícil sair de casa, é mais sozinho que nunca. É mais sozinho que hoje. Mais sozinho que o espaço. É ter pra onde voltar adulto e sem graça, a volta pra Terra, embora melhor que o inferno, mas nunca céu, nem nunca espaço, só eu, o motorista, o trocador e depois do ponto final, tem sempre o Napoleão a destruir os móveis. Falta-me a fome, congelada no tapeware do último domingo na mamãe. Falta-me o ronco, que só vem depois do sono. Quase tudo falta, só não ser tão livre(no espaço).

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Chave

Como é doída a dor da insegurança
Quão fino é este nylon que me prende a lucidez
- Obrigada, não bebo!
Só sei dessa dislexia forjada
das flores plagiadas e de tudo.
Só estou segura quando,
enquanto escrevo ascende uma luz
e a caneta é como um lastro
Agora já não mais, vê?
Não posso ser clarividente
Por isso choro dentro da cela
E depois ponho uma roupa,
talvez linda
e porque sexta, aquém e apática
Saio de casa.

terça-feira, 10 de junho de 2008

poeminha

Às vezes me bate a bosta da impotência do homem médio.
Não é a falta de virilidade
nem de dinheiro no bolso,
mas a não fartura de idéias,
a falta de agonia com o prosaico,
a aceitação com suas divergências tendenciosas,
e porra,
que maré de porra nenhuma!
O que é mesmo isso de ser transcendental?
Que história é essa de ser genial?
Onde se encontram os grandes gênios da contemporaneidade?
E seriam eles gente boa?
(Acredito que não.)

A verdade que me martela, no entanto,
é esse prego rompendo o meu verso,
um martelar ensurdecedor
que me impede de desabrochar.
Que não me permite respirar a métrica interna
desse meu coração maluco por ele.
O que não me faz transcrever
o sentimento tão pouco redundante,
tão invulgar, tão móvel,
este sim, transcendental,
o qual minha mão tola rabisca
de forma pré-coloquial.

Por fim é inevitável que esse corpo
falso-magro,
me prenda em grilhões de homem médio
e se não posso me fazer necessária,
tento, malmente tento,
escrever.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Casório

No imaginário ainda cálido mora a divina moça que na espera de minha chegada enrubrecia, e nesta propriamente dita, emudecia, tão logo na partida, exaltava-se enraivecida certa de minha desatenção insutil, a desejar seu toque como tantos o fizeram, para mim seria a menina muda, a jovem introvertida, a nenhuma entre outras mil.
Só que esta em seus devaneios não sabe que habita os meus, que seu silêncio enche de mistério o ar que inunda meu corpo ainda curioso, pelo perfume do jardim de claros cabelos presos e a veste que encobre o cru inebriante da tal. Que viesse como fosse em sinfonia, ou só o vento, posto que o pulsante teria, tal qual o pensamento.
Pois com ela os dias não murcharão, as flores não inundarão, a chuva não esfriará, a cama que reluziu, o anel coberto de razão, que sorri ao entregar, pela última vez, sangrado este meu coração.

sábado, 31 de maio de 2008

Ventríloco

Se eu pudesse, mastigaria e te daria pra comer depois, o que vai te nutrir e te fazer crescer. Quando ando sentada nesta cadeira e te tenho em meu colo, meu coração vem calmo no peito. E até vir a cadeira de balanço e as pernas doerem já inchadas pelas andanças circulares, ter-lhe ao meu lado. Percebe que há movimento, na minha idade tal movimento é vida, na tua é ilusão. Fica aqui que é mais seguro. Só vá até onde não preciso dos óculos. Não me perca de vista. Se te deixo ir por descuido, me arrependo por cuidado. Quão emancipado és! Já podes andar com essas pernas brancas, marcando a areia, mas vou na frente, reforce meus passos, vem por aqui.
Espera um pouco, isso não combina, isso não te cai bem, todos verão, ninguém vai ver, esse não está bom, isso não é direito, não vai dar pé, não serve; são só sugestões, restritívas. Falo porque já sei. Que a sua queda me mata, que suas lágrimas em mim diluviam, que o seu fracasso em mim sangrou, que sua doença me deixa de cama, que os seus desamores me ensozinham, que o meu não te nega o pior. Porque és meu boneco, meu. E te moldo com esse amor que sei, podando pouco, os cabelos; e que tenta me explicar com o mesmo olhar curioso, medrosa de possibilidade, pois, não me permito aprender, então...Olha por essa fresta que te inauguro, antes tarde, o (teu) mundo perfeito.
E o boneco diz:
- Te amo.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Amor caduco

Já sei
Ele vem tal hora
Nem abro um sorriso
Talvez alguns, contando o que fiz no dia,
Só.

Feito chuchu e creme de milho
não tem muita graça
mas é quentinho e enche barriga
Traçamos planos
Sem propulsão.

Como o prédio de primeiro andar
Que sentados na varanda
de pé direito altíssimo
o bairro é frio e pra esquentar os pés
meias, nada mais.

Mas que cabeça a minha!
esqueci a colcha de retalhos
na casa da avó.
Eu sei como é
e dou um beijo de pena na careca dos velinhos.

Talvez não,
porque aos domingos não vejo netos
mas filmes
que poderiam ser todos meus
Alugo-os.

Lá dentro é bom
Fora, esperado
Chorei ontem pelo equilíbrio
Tenho um medo
e um irmão
tudo isso...

sábado, 24 de maio de 2008

De jogo

Sim, ele foi gravemente ferido. Um tiro no pé.
Quantos caminhos suntuosos e nãos poderia receber. Além das cantigas de amor de um trovador sem tristeza. Um equilibrista, de segurança invejável. Nenhuma variação na voz. Havia diferença clara entre grave e agudo. Dormia feito pedra. Quando acordava lavava o rosto, molhado e austero, seu próprio rei em cômodo com trono, nunca incomodado, nunca. Fácil ver-se refletido, fácil missão calculadamente cumprida. (Sem prepotência) julgava-se bom.
Que forte é aquele que caminha em nossa direção. Não sabiamos de onde vinha. Nem sabiamos porque vinha, ou sabíamos. Perguntamos-lhe as horas e sem olhar as respondeu. E isso não é, ninguém quis conferir. Por isso perdera o menino. "Como é que ele cresceu!" diz a velha com a mão em seu ombro e não nas bochechas. Não importa como; cresceu. Notava-se faz tempo.
Notável rapaz, que sabia até o que não sabia, e insistia mesmo sem saber. Até que nos meados parou num jogo. Um jogo desses qualquer. E o invicto resolve que merece um pouco da diversão boba, permite a alienação já constatada. Pára diante da adversária, vê toda a superfície. Não se perca no tabuleiro, pensou com os botões. Abre um sorriso e ganha. Mas não é só. O olho coçava dentro da armadura, uma coceira fraca, engraçada, mas coceira. Levantou, bem pouco a parte que protegia dos olhos a luz, e aí viu.
N'outra feita tinha tempo e pode parar, houve o mesmo.
Então de novo, um tempo curto que sobrava, viu-se ali em frente à ela, e porque não?
Nem era de azar, mas viciou-se, vinha não pelo gosto, nem pelo ócio, nem a alienação, nem as peças, nem o tempo que esquecera. Vício de vir.
Eis que um dia ao acordar demorou pra vestir a armadura. Quis parar num dia inteiro, mas a engrenagem não permitiu. A dúvida infema do encontro funcionava.
Foi. Logo no cumprimento lembrou a armadura esquecida. E foi jogando, ele falso temeroso, ela pronta para perder. Iguais os dois (mas ela ria da derrota esperada, e falava, e gritava, errava, rodopiava, como sempre).
Cansou, era massante demais. A vitória fácil, previsível. Lembrou-se da arma que trazia sempre consigo, e desta não esquecera. Houve tempo, era a vez dela jogar, enquanto ela coloria as peças e brincava com os cabelos, ele carregou a arma, pronto para matá-la, ia ser fácil, imperceptível, insignificante, ninguém lembraria mesmo daquela (nem as partidas). Pronto ia ser assim, a última rodada. Dedo no gatilho. Um suor escorrido. Nenhuma voz.
Ela joga. Ele viu. Viu que ela joga assim mesmo. Há um estouro, ele vence a partida.
No caminho de volta, há passos manchados ainda frescos.