segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Feliz ano novo

Quando a Copacabana apaga e o calçadão desincha é que ela vai. Anda só no branco, perde as contas das pedras cinzas. Se pisar nas pretas morre. Morrer é cinza tanto faz, mesmo vestida de branco que é ano novo, e ela antiga perdeu o rumo, esqueceu onde mora, esqueceu se mora, esqueceu seu rosto. Divide o Rio com os donos da rua, os vendedores ambulantes e as putas de folga. Jamais entendeu o espírito hipócrita educado de gente em dias festivos, os sorrisos vem acompanhados de votos de felicidade de gente homogênea. Todos, putas, bandidos, turistas, ricos, pobres, pretos, brancos, de branco, feito anjos, num dia de juízo final. Tendo os rostos amarelos, de fogos chorando de crianças no céu. Esperam a penitencia divina e pulam ondas pra deusas sereias. Enquanto ela senta na rua perdida. A única impura. Querendo deixar toda aquela multidão vermelha, vermelho sangue. Arrancaria os ouvidos e a língua de toda aquela copacabanada. Mas ai o céu torna a escurecer. E tida como bêbada, ela grita feliz dois mil e oito pra mim. Agora toda a gente já é má. Ninguém nem ri, nem sorri, nem olha, nem ninguém. Deixa, já tinha pisado no preto mesmo. Deita na areia imunda e dorme, em casa. Estava morta de sono.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Disfarce

Me botei uma máscara/armadura, transparente e indestrutível, pra enganar não sei a quem, se sei a mim. Quando armado não sou melhor nem pior, sou um infame, que é bem visto por esconder. E não só porque a sociedade é hipócrita, mas também porque a sociedade, sob uma ótica geral visa o bom, então cultua o que e ameno. Ameno pra quem?

Porque eu devo ser forte? Pra que continuar quando dentro sou um dramalhão?

Por baixo está tudo vermelho e sujo de ódio, de tempo perdido, de frustração. De suspeitas vãs, e carne moída, gritos de dor, tristeza má, revolta. Revolta individual, cabelo molhado, visco de ignorância, idiotice, palavrões sujos, cacos de gente, de tumor podre. Em baixo, dentro, profundo, interno é tão obscuro que estou cego.

Então cubro o que é grená com panos mornos e brancos. Pintei um sorriso na máscara, pra sorrir pro tempo que virá, sorrir pro acaso, e sorrir pra vida que bem ou mal escolhi. Estou sorrindo pro destino. Como quem assiste a uma tourada. Sorrindo pro boi, pra lama, pro sangue . Nada

Esta tudo bem, estou bem. É o que eles fingem ouvir quando eu finjo dizer, até onde me cabe um alô sem respostas.

É tudo contagioso, tudo contagioso.

Até que um abraço, não dizendo ao que veio, vindo triste triste triste. Me desprotege.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Vida é o poder de combustão de cada um

mesmo que não tenha a mínima lógica nesse raciocínio

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Até o fim

Ela e ele, sentados, na cama de solteiro. Os pés dela descalços e inquietos e os dele vestidos num tênis velho. Na vitrola uma melodia lembrava Bowie. Impessoal como nunca a escrivaninha escutava o silêncio da cena, enquanto os rockstars na parede desapareciam de importância. Imóveis os dois no silêncio daquela canção, sombreados pela pouca luz sabiam de tudo. Sabiam do futuro infeliz que aguardava-os lá fora.
Ela há muito andava dizendo que estavam presos no passado. Ele há muito não entendia, ou pretendia não entender.
Ele há muito dizia que eram um casal moderno. E ela... ela há muito já não mais...
Respirar era difícil e não porque o quarto era apertado. O que apertava era o peito. Doía. Uma dor que não dói, lateja.
Uma única lágrima escorre do olho direito dela.
E vem lenta, carregada de frases, palavras, de beijos, de brigas, de amor, vem carregada de fim.
Ele sentado a esquerda, beija o ombro da mulher/menina que segura sua mão até a vitrola e a desliga.
Ela então levanta, vai até a porta, a abre e
- Espera!
Ela se vira, os dois se olham. Ele a viu pela primeira vez. Ela chorando sorri. E vai até o fim.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Miss universo

She was there, so beautifully and so careless that I couldn't care more about her.
She was standing there, starring at the stars, at that night, she was starring at the universe.
We, me and the boys, would not care about the shiny black night upon us. We could only look at her, stare at her.

The night. The universe. She. and the boys. The whole world would pay attention to that love, so pure. Free.
But we wouldn't move. And we would not say a word. We wouldn't ruin it.
And she. She meant the world as she didn't mean it.

domingo, 25 de novembro de 2007

Morte e vida de Adelaide

A menina queria inventar adorava inventar. Ela tinha inventado coisas, das quais ela mesma duvidara, e outras que ela jamais entendera. Tinha seus próprios dialetos, mas não aquela coisa conceitual, própria dos jovens, muitos menos as línguas dos “pês” os coisa parecida. Essa menina vivia com a avó, uma senhora. Costureira. A avó era costureira, e remendou a vida de Adelaide como pode. Cortou o A-DE-LAI-DE em pedacinhos e só aproveitou o del. A Del vivia inventando moda. E a avó jamais interferiu na vida da menina. Deixa a minha Del viver, porque a vida é curta e eu já vou me indo. A Del achava graça da coisa toda e foi incapaz de fazer qualquer coisa errada. Esta que sabia aproveitar a vida só quis saber de inventar coisas. A menina vivida que nem só ela, jamais deixou seu quarto. Fez daquilo o seu mundo. E a Del foi assim, passando a infância, o fim dela, a mocidade, até que a menina completou os dezessete anos. A avó fez uma festa. Para ela e Adelaide. O bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro tinha em cima dezessete jujubas coloridas, formando seu nome Del. Quando a menina viu aquilo desatou a chorar. E não sabia se abraçava a avó ou se abria o único presente que esta lhe entregava ríspida. A velha agüentava de um tudo, mas ver a neta feliz daquele jeito lhe amolecia o coração. “Toma logo isso menina. Pega vai” e a Del só falava retalhos de palavras de tanto que soluçava.

Foram guardar as louças na cozinha . Dois pratos; dois copos, mas um com borda vermelha de batom de vó; duas colheres; uma garrafa vazia; metade de um bolo; alguns sorrisos e algumas lágrimas. Tudo isso elas foram botando no lugar.

A velha ia ligar a televisão. Tava na hora da novela. Mas hoje ela não ligou não.

Sentou no sofá ai a Del sentou do lado.

- Não vai ligar vó?

- Vo não minha filha.

- Porque cansou?

Ai a velha se recostou no sofá, igualmente velho.

- Minha filha eu to sentindo que já to em tempo.

A Del se deita no colo da avó e olha pra cima. E tudo que ela vê é branco. Os olhos estão cheios d’água. Ela fez que não entendeu. Mas entendeu o que a avó queria dizer.

- Sua vó esta cansada sim filha, mas eu to muito feliz viu? Sabe por quê? Porque eu te criei pro mundo minha Del.

As lágrimas quentes escorriam pelo rosto da menina que molhavam a saia que a velha mesma tinha feito.

- Fique triste não, eu já vivi por demais. Já vivi três vidas, já fui eu já fui tua mãe e já fui você. Fique triste não entendeu?

- Tendi. Tendi vó. To com medo vó.

- E quem é que não tem minha filha. Medo todo mundo tem. O que eu já tive foi é medo nessa vida. Mas isso passa. Agorinha mesmo, nunca mais tenho medo.

Então a Del senta e encara a velha.

- Mas a senhora ta sentindo

- O que? A morte?

- é...

Ai a velha fica quieta. Fecha os olhos. A menina prende a respiração. E vê tudo passar diante dos olhos como num filme. Os olhos mesmo fechados, não impedem que as lágrimas saiam. Ela devia estar triste, mas tudo, tudo que ela vê é lindo. Então ela sorri de olhos fechados e chora.

Ela abre os olhos e passa a mão nas rugas da avó. Como sempre fez. A velha não se moveu. Del a abraçou, tão forte, tão forte, que perdeu as forças e dormiu. E com a boca suja de chocolate acordou no outro dia. Completa. Reinventada.

Cheia de alma.

No epitáfio dizia. Aqui jaz Adelaide Silva.

A Del nunca sentiu medo.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Para não dizer que não falei de flores

Ela chega no bar e procura por alguém, pra conversar, bater papo, prosear. Ela costuma fazer isso enquanto bebe. Mas não vai ao bar para encher a cara, não é uma alcoólatra, inclusive diz que se bares só servissem coca, ela os freqüentaria da mesma maneira, talvez não com a mesma assiduidade. Mas a questão é que, nesse dia comum ela ia comumente a seu bar e pedia uma gelada ao mesmo garçom sentado no banco de sempre. Sophia apóia os cotovelos no balcão semi-molhado e não da importância, vez por outra os secava na calça jeans, mas hoje não, aquela aguinha gelada não a atrapalhava. A Boemia chega e ela esquece da existência do seu cotovelo e de todas as outras partes inúteis de um ser diante de um companheiro deveras mais importante que ele. Agradece ao garçom e elogia o colarinho, apenas pra não perder a casualidade da coisa. Então começa a espera. Quem iria entrar ali, quem iria contá-la histórias de vida, ou quem sabe de morte. Ela ali já ouvira de tudo um pouco. As vezes ria-se tanto que chorava, as vezes chorava tanto que ria da própria cara depois. Mas nunca criara nenhum vínculo com nenhum dos bebuns noturnos que aquele bar recebera. Ela os recebia com a mesma atenção que um vendedor recebe clientes. Ali ela vendia sua articulação, sua boa prosa, sua atenção, até mesmo seus ouvidos, e apenas.
Então nessa terça-feira, entra um homem alto, com uma calça jeans escura já gasta, blusa listrada, chinelos e chaves no bolso da frente. É um homem bonito, ela sabe que é, quando olhasse bem de perto percebia os olhos claros, mel, quase verdes. Nariz largo e boca fina.
- Luis?
-Sophia.
E ele se senta três bancos à esquerda. Exatos três, para não deixar duvida de que viera até ali apenas por birra. Ninguém precisa de tanto espaço, quisesse espaço pulava um ou dois. Mas não três, três ele queria distancia, mas se quisesse distância de fato teria sentado no último, ali era um lugar estratégico, com certeza passado algum tempo os dois se falariam. Ninguém sentaria no meio. A duvida do outrem seria onde sentar se ao lado dela ou ao lado dele. Este acabaria por decidir-se por algum lugar nas extremidades.
Ela não se conteve quando olhou o livro que o marido abriu ao sentar em seu posto. Riu por três razões, primeiro porque o homem demonstrava não ter qualquer intimidade com o lugar, confundia o bar com uma cafeteria ou coisa parecida, ninguém lê livros num boteco. Segundo porque o livro que ela por vez tentara folhear, mas achou maçante demais então abandonara todas às vezes, chamava-se “o homem que calculava”, terceiro porque ela não conseguira pensar em mais nada para rir do jovem marido, e essa se tornava uma terceira e ultima questão, sim. Três. Ela calculara. E ria.
Luis pediu um café. O copo de café do boteco quase que um octógono, de vidro já escuro de tantos cafés que recebe por dia, ele pensou então nas tantas bocas. E teve nojo. Bebeu um gole doido. Bebeu e não achou tão mal assim. Tinha sono.
Resolveu falar. Não! De jeito nenhum, não vou dar o braço a torcer, ela que venha.
-O que é o casamento Luis? É uma instituição ridícula!
- Ah, quer dizer então que resolveu falar comigo? Ridícula Sophia... é a maneira como você resolve os seus problemas.
- Quer saber, você hoje não é meu marido, hoje você é alguém que veio ao bar, ou melhor, hoje eu sou alguém que vim a este bar, hoje eu falo e você ouve, mas ouça e não me interrompa. Escute o que eu tenho a dizer como um estranho.
- Eu já penso o que penso.
- Por favor. Você precisa saber... saber de mim, do que eu sei.
- ta Sophia...

Os dois respiram fundo. O garçom sorri diante da cena, acha graça nesses casais modernos.
Então ela levanta do banco, vai até a porta a abre com rapidez e sai. Luis incrédulo. Passaram-se sei lá... Cinco minutos, ela não pode ter ido embora, não ela não faria isso, não seria capaz. Pede uma vodka, ok... cachaça, que merda.
Ai então ela entra cabelos presos num rabo de cavalo que incomoda a nuca, um vestido azul marinho um all star sujo, cigarros na boca semi fechada e chaves na mão, abre a porta lentamente, como se fosse uma outra pessoa. Bancando a sublime, como ela mesma dizia.
Ele se vira e acompanha o andar da mulher, que é lento, mas não vagaroso. Ela toma um gole da cachaça e sorri. Senta-se no mesmo banco de antes.
- Boa noite. -Sophia ao garçom
- Boa noite – responde Luis
- Posso me sentar? – ela aponta o banco ao lado dele
- Pois não...

- Sabe Luis, vamos supor que eu já sei seu nome ta? Sabe o casamento é uma instituição ridícula. Olha eu sou uma mulher muito bem resolvida, eu não pensava em me casar. Eu não ia, até que encontrei esse cara, sabe...
Foi há mais ou menos quatro anos atrás,“Quatro anos e meio”,eu tava na Lapa num bar,acho que eu nunca te contei isso, nunca mesmo, então... eu tava cansada de todos ali, já não agüentava aquele pessoal chato, um bando de artistas duros querendo dar uma de bacana, eu era mais uma admito, mas não sei, tudo conspirava pra eu não ficar ali. Eram umas dez e meia onze horas, peguei um ônibus pra casa. Eu não ia pra casa, queria dormir em qualquer outro lugar, mas ninguém ia me agüentar naquele dia, só minha mãe, sabe... aqueles meus dias... então.
Botafogo. O ônibus parou num ponto que não era o meu, mas eu resolvi descer, o troço deu uma freada que me lembro de ter caído em cima de um homem sentado perto da escada, vergonhoso! Andei até aquele bar, lá estava você. Ele. Cheio de amigos e com uma mulher no pescoço. Eu nunca tive escrúpulos, e não estava bêbada, mas nisso “ele” nunca vai acreditar. Eu parei diante da mesa. As mesas ficavam assim na calçada não sei se você lembra... “Lembro”. Então, eu pensei que se eu não fizesse aquilo, talvez não tivesse nenhuma história de amor pra contar aos filhos que não sei se terei, se eu não fizesse o que fiz eu não sei, eu sou uma artista, eu seria uma outra pessoa, alguém que segue algo porque é certo, mas eu não... eu me negava, eu não devo seguir e sigo, eu tenho que seguir você sabe...
Aí eu...
- Espera!
Ela tentou contra argumentar, mas não houve jeito, ele desatou a falar:
- Sabe eu sempre acreditei no casamento.
-porra!
- Eu não sei se você sabe... mas eu fui a um bar em botafogo há um tempo atrás e, bem... fomos eu Cláudio, Rafael, as respectivas namoradas e minha noiva...
- O quê?!
- Noiva, como é mesmo seu nome? Sophia não? Pois bem Sophia... eu estava noivo. Luiza, ela também fazia arquitetura. Namoramos uns cinco anos e estávamos noivos há... sei lá, um mês ou coisa parecida.
A noite daquele dezembro era deliciosa.
- Eu lembro do céu, e você?
- Lembro, claro.
-Laranja – os dois falaram juntos e riram.
- Até que me chega uma menina, com seus dezoito, no máximo dezenove anos. Que eu não percebia, lembro que não te olhei, tava fazendo uma conta, resolvendo um problema da prova. “não acredito que lembra disso”. Não tem importância, eu só a percebi, porque a Lu.
- Lu?
- A noiva. Perguntou se eu a conhecia. Eu respondi que não.
- Ta, minha vez. Eu tive que parar na frente daquele cara. Eu juro, fiquei sem ação. Eu não queria saber se era noivo ou não. “que bom”.
-Quieto! Eu não tava nem aí pra quem ele era ou o que ele fazia. E se os amigos riam de mim. Eu...
- Aí a Lu disse. Me lembro como se fosse hoje. Quem é essa louca? Não sei. Não sei já disse.
- ai eu disse, me chamo Sophia. E querem saber, não, vocês não me conhecem, e sim, eu posso estar louca. Mas eu acabei de me apaixonar por você. E... eu não posso ir pra casa e não te dizer isso. Não seria justo, sabe quantas vezes eu já me apaixonei na vida? Eu também não. Porque acho que nunca aconteceu. Mas eu sei, eu sei que hoje...
- O que eu fiz depois? Não me lembro.
- Você apoiou os cotovelos na mesa, bem assim, como ta agora.
-Lembro, lembrei. Qual é mesmo o seu nome? Você tava com os olhos cheios d’água sabia? “uhum”. Ai não sei o que me deu eu fui até você. Eu te abracei né?
- Você já me amava ali?
- Não. Mas acho que eu já sabia.
- Como?
- Como você soube.
- Quando aquele cara me abraçava, eu ficava perdida.Eu não sabia o que dizer.Eu sempre sei o que dizer. Não entendia. As palavras ficavam presas na garganta de tal forma.
- Sabe o que você disse pra mim Sophi, naquela hora? Você disse obrigada.
- Nem eu lembrava disso.
- Porque você saiu andando depois?
- E porque você voltou pra mesa? Porque não veio atrás de mim? Taí o seu problema Luis você nunca ousou. Eu te esperei tanto. Fiquei uns dez minutos sentada na calçada ali da Voluntários.
- Eu sei, eu te vi.
- Como me viu?
- Daí eu dispensei o pessoal disse que, po sei lá o que eu disse, mas eu fui caminhando pra lá sozinho, não fui?
- E a Lu?Você não disse nada a ela?
- Não... ela passou pro turno da noite da faculdade naquela semana, nunca mais nos falamos.
- Canalha!
- Por você.
- Canalha ué, uma coisa não anula a outra. Nunca mais a viu? - Sophia acendeu outro cigarro.
- Uma vez no Leblon, ela tava com uma criança. Sorri pra ela, ela fez que não viu.
- Tudo bem.
Entra um velho no bar, bem velho, a cabeça toda branca, um senhor magro, não sentou no balcão, mas numa mesa distante, quando passou por ela deu um sorriso de familiaridade, ela retribuiu.
- Conhecido?
-Nunca o vi.
O garçom vai atendê-lo. E não que ele estivesse interferindo, mas ela se sente melhor pra dizer.
- O que que faz a gente ser assim, não a gente em especial. Todos. Todos os casais. Porque não podemos? Porque não somos ainda.
- Porque é assim.
- Porque?- Sophia pergunta num tom sem paz, nada comum.
- Porque eu vou pro trabalho e você pro estágio. Porque eu vou pro Tênis e você pro supermercado. Porque eu ligo pra empresa e você pra Clarice. Porque não somos mais novos. Perdemos muito tempo.
Ela chora.
- Eu pensei que ...
- Pensou o que?- Luis interrompe- Que com você seria diferente? Sophia, você não é a única mulher mundial. O seu mundo não é diferente do meu. E se meu mundo não gira ao redor do seu umbigo, alguma hora você teria que descobrir isso. Já chega de ser a artista, cresça!
- Pensei que você me amasse.
- Te amar cansa. - Luis tira o cigarro dos lábios dela com raiva, amassa com o chinelo e a encara.
O garçom volta e nenhum dos dois sequer desvia o olhar.Ela então tira uma nota do bolso, bota no balcão, e sai do bar. Corre, corre, anda an-da, e se senta na esquina.
Luis pega a nota molhada enfia na carteira e, procura uma parte seca no balcão e deixa uma nova nota ali. Anda, anda, anda, até a esquina. Se senta ao lado de Sophia. Passa a mão nos cabelos dela, e com o dedo contorna a sobrancelha e depois o nariz, a boca, e a beija.
-Me cansa, mas não dá pra evitar.
- Você demorou. - Ela diz em meio a soluços.
- Eu a reencontrei há duas semanas atrás, conversam muito, ela está casada morando no Leblon e tem uma filha linda. Eu a beijei. Pedi perdão. Disse que era uma mulher incrível e que tinha me feito muito bem.
Sophia continuou com a mesma expressão de espera, serena.
- Então repeti a ela uma frase da noite laranja, antes de te encontrar na esquina. “Perdão Lu, é inevitável.”
Ele a levanta, a abraça e diz baixinho “obrigada”.

Peter

Você um dia vai crescer meu filho
E você vai ser muito feliz
Feliz como numa receita de bolo
Você vai crescer e vai ter um bom emprego
Você vai ser gerente bancário
Não meu filho... astronauta você não vai ser
Você vai crescer e ter uma casa linda
As rachaduras não vão aparecer, só se você procurar
Você vai crescer e ser homem
Ter um carrão, já pensou? Um carrão?
Vai crescer e ter muitos amigos, um montão
Não querido... os nossos amigos não dormem na nossa casa todas as sextas quando nós crescemos.
Você vai crescer filhinho e vai ter uma mulher
Até lá querido você já esqueceu a Nanda
Vai ter um saco cheio de dinheiro no banco
Ai você já não vai querer comprar brinquedos filho
Um dia você vai crescer meu filho e vai ver como é
Eu sou... já sou adulta querido
Se eu sou feliz?

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Ser por não ser e querer

Sabe dessas mulheres
Sou dessas.
Eu sou dessas que fumam porque faz ser chique
Sou daquelas que se vestem pra ter atenção. Não de um, daquele, nem daquelas.
Quero a atenção alheia. Eu sou a atenção alheia.
Sabe aquelas fingidas.
As tais incoerentes que se fazem entender.
Eu sou aquela que inventa, a que cria uma mutante metamórfica sem um tostão no bolso.
Sabe aquelas generosas e as over sabe?
Sou delas!
As mulheres reacionárias. Opa! Mulher burocrática estamos aí.
Sabe, é isso, banco a putinha criteriosa.
E quem me banca?
As mulheres independentes e fantasiosas. E as que mentem sobre independência.
E as comunistas por discurso, sabe-as? Sou também dondoca capitalista
Aquelas cheias de verdades universais e transitórias.
Mulher-gato, Mulher-cachorra, Mulher-fraca, Mulher-linda, Mulher-nua, Mulher-lua.
Por trás das escamas, dentro das entranhas, junto com a lama nas veias, dentro do fedor do suor e do bolo de cérebro sou o esboço da perfeição.
Sou o mundo real de mim.
Sou essa mulher, que não sei quem ser, porque não sabes quem sou.

domingo, 21 de outubro de 2007

eu e meu colchão d'água

Não... não é uma colcha gigante embora você esteja pensando numa.
É um colchãozão, cheio, lotado de água.
que quando você se deixa ele te envolve, e borbulha e faz barulho e esquenta e te nutre.
Que delícia aqui é tão quente, quentinho. um movimento incessante, que te embala, que te prepara para a vida. Ou a morte. Mas o meu caso é deixar-me aqui, tanto, tanto. Até cansar. Quanta preguiça pode estar contida num ser. Esse é meu empréstimo a ele.
Quem quer sair e conhecer o mundo-cão, quando se pode permanecer nessa clausura boa, nesse útero forjado que é meu apartamento, ou melhor o meu colchão d'água.
Egoísta como ele só, só quer me ver e faz tempo. Mas não ligo não me incomoda. Popular nunca fui, boêmio então... passei longe,me resta apenas me deixar aqui. Acompanhado. E muito bem acompanhado de minha preguiça e meu sono-pragmático-paleativo-permanente.

Porém um dia, nesse fatídico dia, proposital dia. Eu me canso dessa porra toda e hemorrágicamente vou até a cozinha, apanho uma faca e como num flash vejo minha vida de nada passar através dos olhos, e borbulhando de raiva, espumando de fervor, faço o que já deveria ter feito a anos e. Rasgo o colchão d'água. Então, derramado em desânimo, com os pés e a face molhadas, me sento nos restos mortais de plástico impermeável. E talvez me deite com a faca inútil numa mão e nada na outra e durma, no duro. No chão, pra aprender. Ou não.

Enquanto isso, me esqueço.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O resgate

Eu estava cheia e me sentia sozinha naquela multidão
O meu mundo no seu quintal de flores amargas que eu cansei de colher, só soube envaidecer.
Eu cansei de procurar os antídotos pras minhas receitas enormes de como ser deus. Eu me sentia vazia de tanto que me acompanhavam.
Minha vida era ditada nas revistas semanais que sua editora publicava anualmente. Os anos me cansam. Certa vez, te vi refletido nos olhos daquela outra mulher que usava óculos pra não se proteger do sol que queimava minha pele clara. Te via triste e você sorria, pra uma vida inventada, uma mulher inventada, um falso didata. Ah você...ai de você!
Desde então, não mais sei chegar ao lar, não mais sei se este existe, não deve. Ter de adivinhar minha posição em mentes, em corações alheios. Eu não dou pra isso. Mas eu não soube dizer não, eu não soube te perdoar por um erro incerto. Um erro iminente. A culpa é toda minha , estou ciente. Minha parte profunda te quer gritar. Quer te ferir. Preciso disso. Mas não mata meu orgulho, não encobre a certeza, nem remedia essa solidão. Te tenho ao meu lado, no meu quarto, na minha cama e no meu corpo, dentro dele.E nada sinto. Somente quero multidão pra te aliviar de mim, da minha cabeça (jardim) seco e sujo. Vai te embora homem, vai por bem. Já não te quero, me para de ter, me mata, te imploro calada. Se mude daqui, se esqueça. O meu passado é teu, já não te basta? Vá casar-te com a tal, vai procurar teus amigos, vai te achar que eu já te perdi faz tempo. Nada vai mudar entre nós, porque o balanço da cadeira é continuo e não desaprende a parar. Me de espaço e vai dar uns passos pra me resgatar.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Barba ruiva

Ele sabe.
Eu sei também.
Alguém mais supõe saber, mas não sabe, não sabe de nada.
Nós, os dois, e só sabemos.
Queira me ver. Me prenda e me prenda num olhar pra não perder de vista.
E me fantasie sua. Que uma máscara minha é clara. Me escondo em você.
O que quiseres eu vou ter. Vou ser seu deus jovem. E vou ser aquela que mata a monotonia. Eu vou te fazer entender. Te faço achar a graça, procuro pra você e depois mostro, me mostro.
Perca o fôlego nos beijos que não tivemos. Deixa-me sentir seu cabelo. Sente meu corpo esparramado no seu. A mão na nuca. Perto do umbigo. A barba incomoda meu pescoço. Não tira. Fica. Fica mais. Por aqui, fica em mim.
Gosto de mel. Cheiro de cru. Pele de flor. Me toca e eu vejo. Me cheira pra si. É você que me segue me deixo perseguir. E você se perde no meu rastro ordinário. No rastro errado, que você teima em seguir. Por vontade sua alheia a mente. Se culpa e vem reclamando. Mas vem, vem sem saber o porquê e vem. Vem sem entender e vem sim. Sem razão e sem cálculo. Vem por vício de saber que me tem.
O que é intenso ele sabe e não entende.
E o que eu penso é o que sei, também sem saber.
O que ninguém viu e nem vai ver.

sábado, 22 de setembro de 2007

Não

Cólera, cólera porque cólera. Porque é mais forte que a raiva. Cólera da incapacidade, é assim.
Porque sempre quero ser um outro que não sou. E fico não sendo para sempre. Incluindo a minha parte do ser que é pequena, penso. É tanta cólera que é impossível achar o meridiano.
É capaz de espremer a cabeça até que saia uma gota brilhante e que valha a pena, e que arranque oh’s e ah’s de gente ruim. Ruim pra burro. Mas que nunca esteve apertado, e nunca sentiu cólera. Não a minha. Não há uma busca, mas há uma procura cujo motor é esse. É justamente isso que me atormenta. O porquê que nasce em alguns tão facilmente, em mim é gerado, cobra criada, é isso que eu sou. Se é que sou. O ponto, a questão, é que não há fartura se houvesse, estava feito.
Para alguns há fartura de dinheiro, para outros de intelecto, e pra mim? Acho que não sobrou nada. Todos limparam os pratos e lamberam os beiços. E eu emagreci de esperança. Doença de esperança. Esperança de espera, do destino da corrida que não acaba, não senhor. Ai fico eu aqui ó... tento ver e não vejo, tento ser e não sou, tento largar, nem isso. É tormento !
Tormento que por vez vira cólera. Cólera porque cólera.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Fumaça

E então o homem se viu triste e incapaz. Entrou na sala rodeado de livros. Ele não entendia nada. Sentou-se no chão com as pernas cruzadas e assim permaneceu. Estava calor era dezembro e o Rio era um inferno. Ele sentiu náuseas, talvez pelo calor, ou quem sabe a poeira, o cheiro de antigo, o carpete. Respirou fundo. Quis declamar um poema e sabia muitos, não soube escolher nenhum. Respirou fundo. Gritou a Cláudia, que veio de imediato. Quis cantá-la. Não soube o que dizer. Ela respirou fundo e saiu.
Ele acendeu um cigarro. Fumou. Tossiu. Apagou. Uma pilha de coisas, ele pensou, coisas inúteis. Informações demais. Informações que não serviam para nada. Cultura inútil. Para ele toda cultura era inútil. Serviam para perpetuar a sua iminência intelectual e apenas isso. Aperfeiçoamento do ego, leitura era eufemismo. Para que tanto?
Acendeu outro cigarro e queimou os clássicos. Cadê a vida? Que vida? Nem virilidade ele tinha mais. A única que poderia fazê-lo contar historias. Nem isso tinha. Casamento infeliz. A amante era o diabo, para que ameaças. Acabar com meu casamento, que casamento? Cadê o amor? Não tinha. Nem para si próprio.
Queimou os românticos. A pilha ia diminuindo. Mas não sua angustia. Que almoço o que... Não quero! Outro cigarro. Queimou as crônicas. Vivência dos outros não mais o interessava. Reter-se a algo tão pequeno. Parar pra pensar. A reflexão traria apenas tristeza e nostalgia para um homem sem histórico. Sem ficha feito ele. O que era? Era um nada, um zero, ausente.
Queimou. Queimou. Fumou. Queimou. Fumou e queimou.
- O que há com você ?
- Não há nada.
- Onde estão meus livros?
- Não sei.
- Você queimou meus livros.
- Nossos. Queimei.
- Você não almoçou.
- Não.
- É um doido sabia?
- Por quê?
-Porque sim.
- ok.
A mulher fecha a porta. E ele sozinho com câimbra nas pernas e náuseas terríveis. Fumou mais um cigarro. A prateleira continha dez, exatos dez livros, os primeiros que tinha lido. Livros infantis. Uma casa de sorvete, ele sorriu. As mãos sujas de cinzas. Cinzas suas, cinzas de alguém que leu, pensando em viver e acabou não fazendo. Agora lê a casa doce que se derrete no calor. E se sente dentro dela. E sente o gosto do sorvete no sol. O gosto fedido das cinzas. A cor uva do teto desfigurado, um mar de tinta roxa amarga.
- Quanta bobagem!
- Como?
- Esse seu choro, esse calor, o cheiro insuportável, esse seu livro. O que há com você?
- De novo?
- É.
- Há... há... não há nada.
- Quando é que você vai para com isso?
- Isso o quê?
- Suas meias palavras.
- Não sei. Nunca. Hoje.
Ela sai.
- Quer um cigarro?
- Como?
- Quer um cigarro?
- Não fumo Eduardo.
- Não quer?
- Quero.
Ela se senta ao seu lado.
- Você é triste não é Eduardo? A culpa é minha?
- Não. A culpa... A culpa... É do calor.
Ela ri. Ri muito. Ele não.
- Podemos ligar o ar.
- É... Podemos.
Ela vai na frente, ele demora para se levantar, deixa a sujeira, as cinzas e o maço vazio para traz, apaga a luz e respira fundo.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Seu

Oi, vem cá, a gente precisa conversar, aliás, a gente não. Eu preciso te dizer.
É que... eu, eu não sou normal.
Eu sei da sua vida, sei que você tem namorada, sei que você a ama, sei que ela é incrível, sei de tudo. Talvez por saber disso é que eu tenha te escolhido.
Eu sei que eu não tenho vocação pra substituta, amante, essas coisas, porque se algum dia eu tiver alguém, eu quero esse alguém por inteiro. Então eu nem cogito essa possibilidade.
O fato é que eu adoro essa sua timidez, eu adoro a sua distância, o seu incomodo, o seu cabelo, eu adoro saber que você muda o cabelo, eu adoro ver o seu falso interesse em assuntos desinteressantes, eu adoro te ver nunca, adoro você ser heterossexual, eu adoro o seu gosto, adoro suas roupas,eu adoro o cachorro, adoro sua música , eu adoro você.
Não... não precisa ficar sem graça. Isso vai ser um discurso e ponto. Eu não seria capaz de dizer tudo isso, se algum dia pensasse em me envolver com você.
E digo mais, esse é um você pelo meu ponto de vista, eu sei que você não é isso tudo, porque ninguém é. Aham... eu sou exigente. Não, não... pode ficar feliz. Você aparentemente tem tudo o que eu procuro num cara. Um cara que eu nunca vou achar, ou melhor, achar vou. Mas nunca vou ter. Um você inexistente.
Porque atrás dessa moça super bem resolvida e falante, segura de si. Há uma outra que tem medo de tudo, tem medo de se doar. Aqui atrás tem uma fortaleza boba, uma muralha antiga que não serve mais pra nada, é só peça de museu.
O que? Você nunca mais vai olhar na minha cara?
Eu quero saber quantas vezes você já me encarou?
Ta ...eu não quis ser encarada, eu não me sinto bem, mesmo. Eu não entendo essa timidez também, não me pergunte.
Não... eu estou completamente sóbria. E por mais incrível que pareça eu quase nunca fiz isso. Não, não é um hobby meu, e por favor não ironiza. Não fica legal em você. Estou sã querido, sã como nunca estive.
Resolvi sofrer por amor. Já que não amo ninguém de fato, e talvez, nunca tenha amado alguém. Resolvi que você é digno.
Digno de ter o meu amor que raro será seu, até porque acho que você dispensaria. Logo, você não vai ter uma coisa que você não quer porque é algo que eu não posso dar. Eu não sei dar amor. E quando eu digo que eu quero aprender, eu não minto. Eu juro!
Por favor não se sinta mal, eu não peço muito, não quero um escândalo envolvendo traição e beijos, não... o dramalhão sou eu. Só peço que ouça e entenda. Ou finja entender. Pensa que nem é com você, porque pode nem ser.
Isso tudo é comigo, com o tempo você entende. Eu quero que você queira, mas aí eu vou ser má, não posso ser. Não mais!
Agora vai, não diz nada, ou melhor diz “ok”. Ok !

"I can't help it if you might think I'm odd"


quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Outono meu

Vou todos os dias ao mesmo parque. Ele é o mesmo parque de sempre. Eu, já não sei. Vou ao parque visita-lo, sob pretexto de passear com o cachorro. Mas o passeio acabou tornando-se desinteressante para o cão. Então, não sei se por respeito ou amizade este me acompanha diariamente. Caminhamos até lá. Na entrada há um portão de ferro antigo, enorme e sujo, ele é que impõe o parque. Além de delimitar o lugar, peneira os freqüentadores do mesmo. O público-alvo, ou melhor, a platéia.
É sempre muito bom assisti-lo, contemplá-lo. Com suas árvores austeras e seus pássaros, que não são passarinhos, o tapete de grama intenso e nunca verde, alguns poucos bancos, nada monumentais, bancos simples, que um dia provavelmente foram brancos. Há também um lago, um chão de mar tão calmo quanto negro. Há pessoas, mas prefiro não as notar, estas são o cenário em si. Há... há outono. O outono do parque... sou eu. É quando as árvores se permitem, quando elas cedem, porque já não agüentam, assim provam o que são, esqueletos de madeira velha imóveis, num chão sujo de folhas, e não flores, folhas, secas.
O parque era um museu para mim, apenas o observei durante anos, nunca mexi numa folha(palha) sequer, e me prometi fazer o mesmo com as pessoas que passavam por ali. Não por falta de interesse, talvez por ritual. Eis que certo dia surge uma mulher. Era outono. Essa mulher chega e se senta, não traz um livro, nem um cão, nem bolsa ela carrega. Os cabelos negros, a calça jeans, a blusa branca e as sandálias são todos os adereços que traz consigo. Senta-se e olha, apenas.
Olha atentamente o que ninguém vê, o que eu, durante todo esse tempo nunca pude perceber. Ela foi a serenidade das árvores, com a paz do lago e a leveza das folhas que caem. Ela absorveu tudo ali, e apaixonadamente, fui absorvido pela mulher. Nos dias seguintes, não mais fui ao parque, mas ao encontro da tal óbvia misteriosa. E sim, ela apareceu. E reapareceu, talvez apenas pra consolidar o nosso amor. O amor do eu-parque. Eram encontros matinais e secretos, ela nunca deveria saber.
Uma noite ansioso, fui ao bar comprar... nada, apenas sai de casa, então a encontrei.Lá estava ela, acompanhada de um homem alto e entretido com uma criança nos braços. A mulher olha para meu cão, e o mostra para a criança, que sorri, bate palmas e babulcia coisas. O olhar dela então encontra o meu, e demora. Retraio toda e qualquer parte do meu corpo e suo frio, ao contrário, ela derrete um sorriso, e o que mais me assusta é que demonstra familiaridade. E a minha razão vai embora de mim, acompanhada. A esperança de revê-la foi se esgotando a medida que ela faltava aos nossos encontros.O motivo finjo não saber.
Deixei de ir ao meu parque, porque perdi o amor que não tive, perdi o porquê, agora vou ao parque somente, e completo o cenário.

desmistificação

Boa tarde, ahn... o processo é simples
eu chego, me aproximo
te toco e te mato
você me toca e morre

estou sem tempo, bem-vindo à vida!

sábado, 18 de agosto de 2007

Filho único

Onde a casa mora?
Onde tá o pai?
Cadê que não volta
Que não volta mais.

Diga que sim, fui
E o filho volta
Volta a casa, volta a casar
Volta mais dois, três
Ou volta só

Cadê a casa?
Pronde o pai foi?
Não consigo achar
Onde é que fui, não sei
Daonde volto, eu vou

A casa eu fiz
O pai já foi
O fui sou eu
Só, eu estou.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

gentinha

Porque essa gente é macia, flexível?
Flexível no pior sentido da palavra. No sentido de quem não contesta. No sentido do aceito.
Essa gente que entra, pede, recebe e sai sem pagar, é feliz, porque... está bom.
Gente gratuita. Vão e voltam gratuitamente, porque... assim é fácil.
Gente... eles e elas.
Nós, não. Eu, nunca!
Gente corriqueira. Gente ordinária, mentes fáceis, rasas.
gentINHA
Não faz meu gênero. Garçon a conta por favor!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O vislumbrado

É essa mulher que pisa em notas musicais, é a mulher sinfônica.
Aquela que derruba uma multidão com o olhar, e que, com esse mesmo conquista legados.
A mulher fortaleza da qual não se pode chegar perto. A tal que me aflige, afaga e depois ignora, ou apenas isto. A sedutora voluptuosa e casta mulher que passa.
A mulher que traz consigo o perfume-poção, que se encharca deste sem precisar sequer de uma gota do frasco.
Uma tal que não sabe que posso oferecer-lhe o mundo e o que mais ela almejar, e mesmo sem conhecê-la. Porque essa mulher tem seus desejos estampados na face. Cada movimento seu é um pedido que eu, com a devoção de um escravo ao seu senhor, irei realizar.
Iria, mas não vou.
Porque é a mulher demoníaca, que conquista apenas pelo prazer desta. O prazer quantitativo. Demônio!
Ela me tem por inteiro.

sábado, 11 de agosto de 2007

Estão servidos?

-Entrem, por favor, entrem!
Querem carpaccio?
carpaccio de língua. Língua de Natasha.
É minha mesmo, agora sim estou incomunicável, quero saber o porquê do amor verdadeiro casual. Mentira!
Não quero desvendar nada, ponto.
Querem minhas respostas ? meu acalmar? pois eu calo
Querem meu mau-humor? minhas exigências, as chatices? eu calo também.
- Chega, pra mim, já chega!
Monólogos. Parece que tudo que eu sempre fiz foi monologar. E também inventei coisas, inventei nomes, inventei linguagens, inventei vícios, cuspi palavrões demais. - Natasha você cospe palavrões por demais. Pois cuspia!
Criei muita coisa. Fui podre.
Quis aparecer, apareci. O lingua maldita. São muitas cantigas de escárnio e de maldizer.
aaa não... eu tambem fiz juz ao amor, isso fiz! Adorei muita gente, lugares, situações e me adorei muitas vezes.
Uma hiena, um escorpião que morde com a língua e/ou alguém que fala a língua dos anjos.
Ex-língua queridos, hoje sirvo carpaccio.
Venham e deliciem-se com um único pedaço de mal e bom caminho na face da terra, aí então...
- Calem-se !

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Há melancolia. Parece que um eu não era feliz e assim sem mais nem menos passou a ser e agora sente que periga revirar de ser triste.
Há saudade, saudades de alguma coisa ainda viva, minha. Saudade dos dias bons e dos bom dias, saudade da vida cor de rosa finita, do tempo das vacas mais cheinhas. Saudade há.
Há lucidez, há sim. Porque não sei muito de tudo e sei disso. Porque ando atento. Porque as vezes desligo, mas aí não sou eu. E, por ter olho clínico há lucidez.
Há também bom caratismo, generosidade, há sorrisos gratuitos, bom humor. Há carência e vivacidade.
Há isso tudo em mim, mas também há o revés!
O eu de verdade perigou ser feliz, mas nunca deixou de ser triste. E convive bem assim.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Há diferença no Distrito

Um lugar mítico. Um mito. Um poço de emoções, sendo este sem fundo.
Deeper
Todos os que chegam tem sede.
A vida, sub-vida surreal que aqui se pode obter. Propiciar.
Universo paralelo de pessoas paralelas e opções aversas a resultados ideais.
Aqui tudo se quer e nada se tem.
Há positivo e negativo ocupando um mesmo lugar no espaço. Compasso. Com passos.
Movimentos. Que movimentam e energizam esse lugar derradeiro.
A mortalha dos dias que duram para sempre.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A melhor noite não vivida

Ele abriu a porta olhou pra fora do quarto e não viu a mãe, talvez já estivesse deitada, já passava das nove e então percebeu que estava atrasado. Tomou um banho morno, a toalha de plástico florida delimitava o espaço necessário pra o corpo magro de um rapazote dessa idade. A pressa o faz escorregar e bater com o dedão no sanitário, ele então deixa as pegadas bicolores vai até o quarto da mãe e pede band-aids,que sonâmbula oferece um esparadrapo. Então ele volta correndo pro quarto desviando dos passos anteriores. Põe a melhor calça, uma camisa azul clara do ano passado e sapatos apertados, o pé reclama e ele ignora. Volta ao banheiro pisa no tapete encharcado por falta de espaço, e procura pela brilhantina. Pronto, está pronto. Faz um terceiro caminho, grita um boa noite qualquer e bate a porta.
A mãe trabalhava como garçonete de uma lanchonete próxima, o rapaz passa por lá. Recebe olhares de todas as mesas e elogios dos empregados conhecidos. Talvez só tenha parado ali, para ganhar essa aprovação. Isso infla seu ego. Sabia que não era rico, mas só por falta de dinheiro. Segundo sua mãe, Josh tinha classe, não era um pobre pobre,um pobre coitado, era somente pobre. Ele entende e caminha, está atrasado e sabe, mas não corre, nem anda depressa. Caminha.
Não passa um carro sequer, a calçada parece se alargar enquanto ele passa, e vai assim pé ante pé, sem pressa de chegar ao destino, assobiando o nanana final de "Hey Jude". Tudo pode esperar, porque agora era o momento, o único momento da noite no qual ele poderia ser o protagonista. E se tudo desse errado não faria a menor diferença. Os passados cinco minutos seriam os mais felizes de uma vida inteira. Pensando nisso surge um pré-sorriso, ele olha pra cima, há um céu sem estrelas e mesmo assim sorri, pensa em si mesmo, olha para os lados, vê que não é observado e pode gargalhar.
Acabou, sabe o endereço de cor. Trinta e cinco é aqui. Puxa o ar como quem se prepara pra passar muito tempo debaixo d’água e o solta vagarosamente e de com uma intensidade linear. A casa tem pontos de luz estratégicos e é branca por fora, ele pensa na dificuldade de se manter uma casa branca assim tão bem pintada. Abre o portão de ferro, olha pro jardim igualmente conservado, pensa no quanto sua mãe ficaria feliz com um chafariz daqueles em casa. Se impressiona até mesmo com as pedras que fazem um mosaico no chão que ele pisa,e se esforça pra andar na parte escura. Josh tem TOC, mas não faz a menor idéia do que seja isso.
Toca a campainha. O pai dela abre.
- Boa noite senhor Paul, vim buscar a Claire pro baile.
- Você é o tal Josh?
- Sou sim senhor.
- Queira entrar por favor.
Era isso que ele temia.
O tom de voz do pai. O sorrisinho falso da mãe dela e seu taier marrom. O sofá gigante. A cor bege das paredes. O lustre mal preso. A música ambiente. Tudo ali era clichê, tudo.
- Ela já está vindo. – disse a mulher movendo apenas os lábios. Imediatamente após a mulher testa o vinho branco e olha pro marido. Aliás, olha o perfil deste, que permanece imóvel olhando não se sabe se para o relógio ou para a janela que ficam na mesma direção. Josh percebe as mentiras da casa.
O som do salto alto no piso de madeira ecoa pela sala, cada passo de Claire faz com que o menino se arrepie. Ele esquece que está ali. Começa a fantasiar como a menina vai estar vestida. Será que vai usar aquele vestido branco que eu gosto, mas ela prefere o tal rosa. Não... ela não é de repetir roupa. O cabelo vai estar preso ou talvez solto, ela fica bem dos dois jeitos. Sente-se quente, finge um bocejo e sente a face enrubrecer. Ele pensa que gosto teriam os lábios da menina. O toque na pele macia. A temperatura da respiração. A contagem das sardas. O encontro de olhares.
Eis que ela aparece no segundo andar desce a escada, dá um beijo na mãe, entrega os braços ao pai, e Josh acha aquilo estranho se deixa mentir, então sem sequer olhá-lo, anda até o rapaz. Ficam paralelos e caminham assim até a porta, que é grande mas não o suficiente, então ele a deixa passar. Fecha os olhos e a porta, repete os movimentos anteriores à entrada na casa, porém com menos ênfase, e os dois como se fosse combinado dizem ao mesmo tempo:
-Oi.
Sorriem.
Josh acorda, abre a porta olha pra fora do quarto, já passa das nove , não vê a mãe. Dormiu demais, está atrasado. No banho sorri, sorri pois vai ter a melhor noite da sua vida.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007