quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Outono meu

Vou todos os dias ao mesmo parque. Ele é o mesmo parque de sempre. Eu, já não sei. Vou ao parque visita-lo, sob pretexto de passear com o cachorro. Mas o passeio acabou tornando-se desinteressante para o cão. Então, não sei se por respeito ou amizade este me acompanha diariamente. Caminhamos até lá. Na entrada há um portão de ferro antigo, enorme e sujo, ele é que impõe o parque. Além de delimitar o lugar, peneira os freqüentadores do mesmo. O público-alvo, ou melhor, a platéia.
É sempre muito bom assisti-lo, contemplá-lo. Com suas árvores austeras e seus pássaros, que não são passarinhos, o tapete de grama intenso e nunca verde, alguns poucos bancos, nada monumentais, bancos simples, que um dia provavelmente foram brancos. Há também um lago, um chão de mar tão calmo quanto negro. Há pessoas, mas prefiro não as notar, estas são o cenário em si. Há... há outono. O outono do parque... sou eu. É quando as árvores se permitem, quando elas cedem, porque já não agüentam, assim provam o que são, esqueletos de madeira velha imóveis, num chão sujo de folhas, e não flores, folhas, secas.
O parque era um museu para mim, apenas o observei durante anos, nunca mexi numa folha(palha) sequer, e me prometi fazer o mesmo com as pessoas que passavam por ali. Não por falta de interesse, talvez por ritual. Eis que certo dia surge uma mulher. Era outono. Essa mulher chega e se senta, não traz um livro, nem um cão, nem bolsa ela carrega. Os cabelos negros, a calça jeans, a blusa branca e as sandálias são todos os adereços que traz consigo. Senta-se e olha, apenas.
Olha atentamente o que ninguém vê, o que eu, durante todo esse tempo nunca pude perceber. Ela foi a serenidade das árvores, com a paz do lago e a leveza das folhas que caem. Ela absorveu tudo ali, e apaixonadamente, fui absorvido pela mulher. Nos dias seguintes, não mais fui ao parque, mas ao encontro da tal óbvia misteriosa. E sim, ela apareceu. E reapareceu, talvez apenas pra consolidar o nosso amor. O amor do eu-parque. Eram encontros matinais e secretos, ela nunca deveria saber.
Uma noite ansioso, fui ao bar comprar... nada, apenas sai de casa, então a encontrei.Lá estava ela, acompanhada de um homem alto e entretido com uma criança nos braços. A mulher olha para meu cão, e o mostra para a criança, que sorri, bate palmas e babulcia coisas. O olhar dela então encontra o meu, e demora. Retraio toda e qualquer parte do meu corpo e suo frio, ao contrário, ela derrete um sorriso, e o que mais me assusta é que demonstra familiaridade. E a minha razão vai embora de mim, acompanhada. A esperança de revê-la foi se esgotando a medida que ela faltava aos nossos encontros.O motivo finjo não saber.
Deixei de ir ao meu parque, porque perdi o amor que não tive, perdi o porquê, agora vou ao parque somente, e completo o cenário.

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