domingo, 21 de dezembro de 2008

vaga

Ao menos um vaga-lume, que soubesse quando reluzir.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Cimento

Começou assim com uma vontade de engelhar os dedos na terra, pra me sujar de uma cor borrada, deitada no chão seco de lágrimas. Sinto um vazio, ou aquela máquina do buraco negro, ou um falatório, uma grande coisa que não tenho medo. O fim do mundo já sou.
E não quero mais nada. Porque a porra do médio me estraga, me persegue, me ingrata e não mais me liberta. Essa iminência de fatos. Do imaginário, os doutores, as bailarinas, os poetas, as atrizes e os amores. Os meus amores não dão mais um pio. Veio um corvo e ficou parado não porque queria, mas porque quis. Então preparei minhas penas, enfeitei-me com flores, e voei lá no nunca. O doutor disse que foi falta de descanso, é que inflei muito para tão pouco tempo no poleiro, ai pronto... Bati no chão em desmaio. Agora eu nunca mais.
Não sei dizer o que é perder uma coisa que era dom. Não sei dizer uma coisa que era dom. Não dizer era dom. Não era dom. E de novo. Não. Umas coisas suprimidas, umas coisas assim sem liga, umas coisas burras, complexas. O que é que há comigo? A desculpa por existir agora é o tempo? Quando?
Da chaleira a água ferveu tanto que evaporou. Uso roupas leves. Não me assumi vapor ainda, eu não nasci vapor. Quero ser concreta enferrujada e imunda. Vapor não. No ar outro pretexto por estar misturada e insípida. Até terra ser. Não, terra não. Uma até lambida áspera no cimento.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ainda

Foi como olhar o passado do alto. O veludo das peles nossas já não eram quentinhos. As reminiscências por mim contadas me eram alheias. E as nossas saudades, hoje, me são saudosas. Parece uma grande ausência do grande amor. Posso lembrar à tarde, quando a chuva surpreendeu os panos leves da tua blusa e apertou-me o nó que não era gravata. Nem vermelha ficaste, pelo contrário teus olhos migraram aos meus implorando desejos, e eram eles tantos. Os primeiros beijos, os primeiros cantos. Era mesmo a idade acentuando o romance.
Com o tempo permitem-se os proibidos, o corpo dorme ao lado, querendo mesmo o sono, os beijos pouco molhados desmancham,tem fim, e os telefonemas, ah... os telefonemas antes tão teus, tão por mim esperados, hoje formais lembram telegramas, também nosso sexo as sextas. Por isso quando me vieram perguntar, titubeei no porquê. Sem saber de fato, o motivo da incerteza, a resposta agora me é cristalina. Eu entendo o nosso amor. É isso. Não é a frase apaixonada, do amor singular, um quase enigma que os donos, e apenas eles compreendem, não. Para o nosso, tem tese e tudo, tem as fotos, a matemática. O problema dele é a razão. Eu e você perdemos a paixão por aí. Não é um ritual, não é uma bula, não é chato, não é fácil, não é vazio, é só o tempo, é só saber aonde vai dar. Ai o “mas porque você se apaixonou por ela, sabe, num primeiro momento, por quê?”, ai isso fica assim... Tristonho, antigo. Tento aqui feito algum romântico ficar recuperando aquelas nossas coisas. Fico aqui contando as nossas coisas para pessoas ou coisas, até as nossas coisinhas eu contei, arrancando-lhes risadas, não era aquela tua, embora você risse também. Eu e meu papo de aleijado. Queria que nosso amor ainda pudesse caminhar.

Será que eles entendem? Será que tu me entendes, ou ainda me espera as seis?

Do restaurante até a cama, só um casal, depois quieto, eu te amo. Embora ainda.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vale o quanto pesa

Na coreografia de andar até ali não me agüento. O que não é corpo se diz alma e procura entornar, pra cima, no longe. Os ouvidos estão sensíveis às vanguardas que hão por vir, mas a boca cala. E pior, pelo que se diz virtude, a mão repete. Logo eu, que aprendi com os pés no fundo, nem sei por que agora o chão arde. As mesmas cavidades, os mesmos pés, os mesmos pais. E, ainda da maçã nem a lagarta, tampouco o bicho que dela vira. Não. Talvez seja o defeitozinho na casca, que acaba indo para o mesmo saco por um e noventa e nove. A quase extinta e inútil moeda de um centavo, que inveja.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Umbigo

Nem se quisesse existiria, não é ficcional porque não pode ser. Tenho uma ânsia de arte hoje. Não só hoje claro, mas é hoje que grita. O falatório em primeira pessoa nos espelhos deixa de ser um hábito, para ser entrevista. A melhor entrevista não televisionada aconteceu hoje, ninguém piscou, nem fez xixi, nem largou de mão, eu poderia ouvir os telefones amigos tocando de orgulho “Olha só pra ela”. Diriam que estive linda, e que pude discorrer sobre todos os assuntos em pauta, teria me saído muito bem numa mesa redonda, não qualquer, uma com meus grandes ídolos, pessoas preenchidas de baunilha, pessoas que, dessa vez, não me acarretaram nenhum rubor, pelo contrario apaixonaram-se. Abriram suas casas, abriram suas Urcas, ofereceram-me uvas sem caroço, deitamo-nos em tapetes, e juntos de olhos fechados pensamos o universo. Descobrimos o céu. Alguns choraram, outros riram, uns cantaram, outros escreveram, eu só sujei os cotovelos pendendo a cabeça pra trás, os fios no chão feito balanço de rede, pensei baixinho um pensamento raso, desses feijão com arroz. A barriga roncava, não é coisa pouca. Pensei por ver. Houve então um tipo de osmose conjunta, uma sinfonia de morcegos, que toda a gente que ali estava, que todo o então mundo sentiu. Como a letra de uma canção antiga que só depois que o canto cansa se descobre o que diz. É feito a repaixão. O fim do coma. Adoçante de solidão. Redondo universo. Meu umbigo.
Sentimos por completo, eu e meus heróis, a ventura de sermos únicos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Por dentro do meu gesso os poros claustrofóbicos desfuncionam. Não é a sensação de completo, nem de ápice. É uma oca e gorda. Para deixarem de entender. Para deixarem a secretária eletrônica, ouvir tua voz ecoada vazia. Pra sentir uma vontade que não me perfura. Um poder-ser aprendiz. Tudo está tão completo de tudo, nem pressinto lágrimas. O beco está lotado de pisca-piscas, tanto, que nele só cabemos, eu e o quentinho das luzes aquecendo a capa, seria verão. Se da mente esgotada brotam imagens, as gero desabafadas, lustrosas, vãs. A burrice desconhece o medo. Eu sou a sombra sem ême.
Os meninos tão completos apertam os botões coloridos do controle da tela, tudo em volta a ela atenta, tudo em volta de espectadores e eu. Que os olho aos berros, olhando a dança dos corpos comprimidos no sofá velho. Como quando o filme esbraveja e depois só imagem e silêncio, se possível os assistiria num filme mudo. E alugaria sempre, bobeasse o compraria. E boquiaberta como fiquei, sempre novamente. Eles, meu videogame.
Outro dia, não me preparei nem nada para ver a velha assim no metrô. É chata, a velha vaga no vagão. Sem ser ambíguo porque estava lotado. Ao lado dela, não lembro se vi gente, mas devo ter visto. A velha ao invés de ser feia ou linda era gente, ela ao invés de ser moça ou velha era gente, também ao invés de ser feliz ou triste. A quantidade de mundo que por ali passou nem desconfiou, não parou pra ver. Só eu, novamente, alugaria este filme. Chega a ser engraçada a velha de rosto em moldura, não muda. Ela, uma velha, imagem.
Nesse, a parede me impedia de ver tudo. Metade da tela em branco e a outra em flash, era a luz da Xerox aberta, com seu condutor e três ávidos, uma gorda, uma outra e um amigo. Falavam de tudo que possa não interessar. O homem ás vezes clareado, tomou vacina de sorriso, abrir a boca só para o troco. No filme, a luz do teto estaria apagada, para ser pisca-pisca e sentir-me em casa. Esse eu talvez só alugasse. Eles, umas cópias.

E só.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Não pode ser!

Então enfiei os dedos de raiva nos ouvidos do barulho ensurdecedor da cidade. Como se pudesse comprimir toda a cabeça num grão minúsculo de cérebro (inútil) preso aos indicadores. As ruas de mim não se aliviam. Mas agora, enquanto os dedos funcionam ouço mais minha voz. E tagarelo sozinho em frente ao computador ligeiramente feliz por esquecer o meio-dia. Dedos para que os quero. E vou repetindo essa frase, repetindo, repetindo. Não me importo de molhar o teclado com a pouca cera que tinha, talvez por não ser um homem assim, polido. Começo a escrever uma história sobre uma moça. Dessas histórias que os próprios dedos pedem. Sucumbi a ela e à cidade. Pois imediatamente após tudo que ouço é um apertar nervoso de teclas grudentas.
Sou um homem pragmático sempre fui. Meu rosto é um mapeamento de livros que deixei de escrever, minhas rugas profundas apesar da pouca meia idade, se ramificam para sempre, sem nunca terem nascido, nem deixado de existir. Desde que existe espelho, existem folhas rasgadas. Parece que ao olhar-me refletido sou tão qualquer. Os músculos contraem-se a procura da expressão sisuda que me permita à frase perfeita. Eu não sou nada além de minhas palavras, também pouco valiosas. Por isso me alivio em textos ruins, poemas ruins, coisas pequenas que remediam do rosto as marcas de um mau escritor.
A tal moça é também escritora e para meu acalento, pouco talentosa, que se imagina boa e sai por aí com um ramalhete de continhos, distribuindo suas flores para pessoas, quase leitoras, em esquinas. Ai se suas palavras fossem tão boas quanto esta cena. Piegas e boas. Eu, pelo menos, entendo-me um mau letrista, assumo minha condição e só escrevo para antecipar a surdez seletiva. Escrevo em pouco tempo e sem revisão. E não porque me falte o primeiro, o tenho de sobra, bem como a moreninha da qual vos falo. Sou escritor por necessidade e não estética; falta-me o assunto morro, senão de tédio, de dia. Ela não, acredita ser indispensável. E os pergunto: como uma boa escritora mantém-se no anonimato? Como uma boa escritora não lhes desperta o mínimo interesse, tanto por sua obra quanto biografia? E por fim, pergunto-me a razão de escrever sobre um ser humano tão ordinário, em seu sentido benigno. E não obstante os respondo, pois talvez minha missão seja de fato afastar essa ânsia da moça pelo grandioso, pelo imprescindível, oferecendo-lhe uma homenagem, embora canhestra por sua existência. Mas a bem da verdade é que escrevo esperançoso, como um creme anti-rugas, pela descoberta da jovem ávida, e, por conseguinte da minha. Num golpe de sorte, quiçá mérito. Encontraríamos os dois a fama que nos coubesse. Comprar-nos-ia, pois outros espelhos. E terminaria a vida no meio do mato, fingindo ser alguém cansado de tanto, como já estou de tão pouco. Curtiria o prazer de toda escrita não publicada, escondido no Best-seller da mocinha sonhadora. Acredito que se o escritor comete a grande obra, todas as outras suas já adquirem credibilidade.
Os senhores devem estar se questionando que tipo de homem médio leva uma vida tão burra. Tendo em vista que a impressão que lhes passo agora, é a de um homem com seus trinta e poucos anos, que não produz nada de relevante e insiste nisso, por razões desconhecidas, almejando secretamente o reconhecimento através do desconhecimento de uma protagonista aleatória. Sim. Sou o tipo fracassado, que vive de renda (não lhes contarei necessariamente a fonte desta, pois só aumentaria o predicado já mencionado) que mal paga o aluguel de um apartamentozinho em um bairrozinho numa ruazinha muito, mas muito barulhenta. Sou o tipo que vive debruçado no computador, esperando lapsos de brilhantismo, e não tenho uma pança característica dos sedentários, pois como pouco e bebo menos ainda. Sabe que a moreninha também nunca teve caxumba, nem catapora, nem aquela outra que tem um nome esquisito que começa com érre. Não comemos nada verde. Acho que esses naturebas gostam mesmo é de sofrer. Noutro dia a menina foi ao médico porque tinha caído e torcido o pé, ele examinou-a, pediu alguns exames e vá entender esses mistérios da medicina moderna, pediu junto um exame de sangue. Ela tardou, mas cumpriu-os todos. De volta ao consultório, percebeu que não gostava de paredes rosa, rosa claro, na verdade não gostava de tons pastéis. Qualquer tom pastel. O que chega a ser esquisito já que de vibrante ela não tem nada. Gosto não se discute e a moça é perfeitamente saudável. Pronto, isto é basicamente tudo de relevante que sei dela. O resto da história são causos, que na minha humilde opinião supostamente imparcial são bem melhores que dados. Eles não serão muito cansativos, pois como já foi dito não costumo me prolongar nas histórias. Serei breve mesmo parecendo prolixo. É que às vezes, há um engarrafamento de idéias e com as buzinas que chegam da janela fica muito confuso organizar-se. Até porque, sempre começo um texto de forma - eu não diria ótima nem repleta de idéias, mas numa escala de um até dez em criatividade, eu ganharia seis, ou sete. Ok sete. Mas meu pragmatismo me acorrenta a planos, faço muitos planos. Aí já começo planejando o final da história de uma pessoa que não tem fim, no sentido de que a moça ainda não viveu feliz para sempre, e talvez, pobrezinha, nem viverá. Inclusive penso que isto pode depender de mim, mas não. Não posso acarretar-me essa importância. A moça vive, e eu planejando-lhe um fim. Planejo um fim para ela, um fim para mim, um fim para meu texto, e um fim para todos outros planos que por ventura venham a existir. E acreditem, eles virão.
Outra coisa que pode ter lhes vindo à cabeça é se a moça existe de fato. Mas acho que pode ser um recurso do escritor, manter esse mistério entre a realidade e a verossimilhança. É um recurso básico, talvez nem suscite a duvida. É que a moça é tão prosaica que pode ser muitas, quer dizer, ela não tem a capacidade de ser muitas, isso que eles chamam de versatilidade, isso ela não tem. No caso, ela poderia tanto ser ela, quanto muitas outras inversáteis. A moreninha existe senhores. Existe tanto quanto meus dedos versáteis neste teclado, e minhas idéias versáteis e inócuas na cabeleira suada. Pronto despi-me de mais um recurso da boa escrita.
Outro dia, ela sem querer deixou escapar uma frase até muito incisiva para os diálogos que proporciona. Droga de metalinguagem. Achei engraçado, ri muitíssimo. Ela disse isso como se tivesse propriedade pra dizer tamanha bobagem. Disse isso como o padeiro que diz droga de fermento vencido, não fermento vencido não, droga de farinha de rosca, porque gosto de metalinguagem. O bom padeiro pode reclamar da farinha. O bom padeiro tem gabarito. O bom padeiro pode até mesmo fazer bons textos com metalinguagem. Outro dia a menina fez um bolo, só que enquanto batia, lembrou que tinha esquecido o fermento. Ai foi procurar nos armários. Agradeceu pela casa pequena. Aqueles estavam cheios de cupim ou sujeira ela não soube direito. Costumava usar só a geladeira, morar sozinha é tão solitário até para os armários. Isso eu sei, mas por ser homem, camuflo a tristeza com o mau humor. Por fim, não encontrou o que queria e acabou tentando a sorte, sua amiga uma vez disse que fizera um bolo sem fermento. Todos os textos que esboçou naquele dia também solaram.
Não sintam pena ainda. Esse tipo de infortúnio acontece conosco, quase sempre. Porém, compadeçam-se previamente pela moça, pois lhes contarei sobre o desamor. Talvez narrá-lo seja um tanto complicado, porque não sou o tipo do homem sentimental. Eu mesmo, nunca me apaixonei. Acho mulheres chatas, de um modo geral. Querem que você se encaixe ao padrão delas, querem sempre moldá-lo com o tempo, mulheres adoram a imagem que elas tem de você e naturalmente essa imagem é tão absurda e mítica que aqueles bravios capazes de sustentar longos relacionamentos merecem a canonização. Não sou homossexual. Basicamente porque não penso o sexo como uma escatologia. Okey, os senhores me acham categórico e falastrão, tudo bem, porque grande parte disso é só banca (de jornal decretando falência).
O rapaz loiro de cabelos muito lisos estava parado no canto. Pela maneira como retirava a mecha que lhe caia nos olhos não estava ele sozinho por desventura, mas por opção. Ela dançava com um parceiro insignificante, ou melhor, sua despresença a causaria menos bolhas. No meio de um rodopio houve um instante de silêncio, olhos nos olhos, embora Cartola cantasse nas caixas de sons chiadas. Pronto, arranjava ali a moça seu par fixo. O subúrbio virou Paris num minuto. Luzes e cores e sons e mais luzes – ela escrevera esta frase num conto chamado Paixão, percebam o quão rudimentar é sua escrita, coitada, parafraseá-la me é um suplicio, mas deixa estar que ela ao ler isso aqui vai sorrir. Provavelmente, o rapaz encantou-se com suas risadas, é o que de melhor ela sabe fazer. Aliás, damas servem para isso, encher vazios de conversas com risadas. Ou damas ou blues. Eis que numa curva brusca na volta para casa o ônibus chacoalha o que já tinha lugar cativo (a culpa é sempre da cidade). Sabe estou cansado dessa coisa, desses ônibus, desse bairro, de toda essa gente. De mim? Ela pergunta, esperando o não. De você, talvez seja isso, estou cansado de você, saí da dança. E do ônibus (a cidade é tão imparcial) que continua sua rota até o ponto final. A menina chorou tanto que inundou sua casa, rabiscou os livros, depois comeu os lápis, as canetas, os dedos. Até esquecer, e rir do menino loiro que não batia a sua porta, mas só pensava em bater. Para mim, pensar em bater é pior que não bater, bem pior. Tudo em iminência é cheio de tantas coisas que não tem espaço pra coisa alguma. Quer dizer, fica por isso mesmo, a vontade do rapaz afinal, ficou tão banal quanto essa combinação de palavras. Sim senhores. A produção da moça foi altíssima durante o período pós-término, pobre de mim, para saber de tudo, e aumentar-lhes a riqueza de detalhes da história, gastei dias lendo tudo aquilo. Coitadinha, duplamente.
É interessante pensar no pós-termino. O que farei no pós-termino desse... não sei que nome dar a isso aqui. O que farei eu no pós-termino? O que os senhores farão no pós-término?
Penso que o que vale na vida são planos, porque a realidade é chata e os planos são os sonhos, masculinos. Sonho, claro. Mas não fico por ai sonhando feito a morena, tenha paciência. Só quando durmo e quando lembro, fora isso planos.
Pois é, estou começando a ficar repetitivo, isto é sinal de barulho brando, de pouco tráfego, ou barriga vazia, ou sono, ou sinal de que não conseguirei transformá-la em nada de relevante.

Desculpe moça, falhei com você. Não que tivesse prometido o mundo, sabes disso, mas, honestamente esperava ao menos um bom término, enganei-me, meus cabelos também são loiros. Gostaria eu de ser um homem otimista, mas seus textos não são ótimos, desculpe-me, vá arranjar um trabalho de verdade, vá. Algum de nós dois merece um pouco de sucesso. Vejo você chorar baixinho, permeando meu coração contigo, quero voltar ao início reescrevê-la. És grande, és grande moça. No entanto, não posso, sabes que não adiantaria dar-me ao trabalho. Minhas palavras são vãs.
Sorria morena. Case-se com um grande escritor. E por favor, esqueça estas linhas.
Perdoe-me. (não pode ser!) Te amo.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Azul muito escuro

E de repente quero escrever sobre o medo que fica escondido na parte escura atrás da pele, dentro dos órgãos, diluído no sangue. Pra esquecer a angústia de pensar que lá dentro só mesmo, medo. Das coisas que choramos enquanto crianças, e depois engolimos. Se há dor em viver no incerto, é aquele que mora nas entranhas. Já que o alívio do grito não é o grito. Já que o alívio do pulo não é o pulo. É ainda outra forma de choro. Lágrima moderna de torneira seca. Pois a própria culpa da vida está no pleno, no máximo. A culpa é do azul. Quando no fundo, porque ele existe, sabemos que é preto, ou melhor, que também é preto. Viver requer menos misancene, pra ser mais úmido, mais aflorado. Com o todo encanto de poder tremer.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O verde palha

Então a caminhada entediou e eles se sentaram no canteiro.
A: Aqui é nosso epicentro, nosso ponto médio. Se saíssemos de nossas casas ao mesmo tempo chegaríamos aqui juntos.
B: Sou mais rápido, talvez fosse daqui a duas quadras. Pelo menos seu caminho é mais curto. Não me agradam muito esses seus passeios, quer dizer talvez agradem.

A: Hoje entrou um bicho no meu olho esquerdo.
B: Como assim bicho? O que você tava fazendo?
A: Falando com o Caio no telefone.

B: Será que amanhã você vai acordar com remela no olho?

A: Aí eu comecei a gritar, Caio me ajuda entrou um bicho no meu olho! Me salva!

B: Porque eu sempre acho que remelas são tipo os anticorpos do olho todos juntos e verdes. Por exemplo, as crianças criam muitos anticorpos e muitas remelas, e poucos problemas na vista, pelo menos que eu saiba.
A: Você conhece quantas crianças?
B: Porra muitas, né?
A: Quantas?
B: Sei lá... Meu sobrinho?
A: E a partir dele você chegou a essa conclusão?
B: Não. Isso é quase uma verdade universal. Você que conhece muitas crianças. Você que ama criancinhas. Não repara nas remelas delas?
A: Rimas riquíssimas. Reparo. Eu estudei na segunda série com um menino que chamava Raul, ele tinha muitas remelas presas nos cílios de cima, não sei como podia, esquisito sabe? E também ele não era tão criança assim.

Enquanto ela amarrava os cadarços do tênis vermelho, ele procurava o isqueiro. Tudo muito mecânico. Todos os gestos dentro de potes de vidro. Eram dois insetos em potes diferentes, um ao lado do outro, sobre a grama seca do canteiro. E nem paravam pra se olhar dentro dos vidros. Era medo. Aí falavam uma fala que não dizia nada, e aprofundavam sem querer, só preenchiam o tempo de coisas à toa. Ali o silêncio que mais dizia.

B: Então...

Com o cigarro aceso.

A: Então?

A: Sabe, você acha que Hiroshima estava calada antes de morrer?
B: Você não precisava desse sabe. Porque não perde esses vícios, sua oralidade é feia.
A: Acha?
B: Que Hiroshima é? A da bomba?
A: É!
B: Não sei, caiu que horas?
A: Acho que pela manhã.
B: Tipo sete da manhã ou onze? Há uma diferença de quietude aí, manhã é muito abrangente.
A: Sei lá, sete vai.
B: Calmo então. Devia estar espreguiçando.
A: É devia.
B: Por quê? Porque é importante?Devastou mesmo, acabou com tudo, como estava não me parece importante.
A: É importante.
B: Eles tinham evacuado um pouco a população sabia?
A: Hum...
B: Tá. É importante. Que você acha?
A: Concordo.
B: Só?
A: Faz diferença?
B: Não.

Um passarinho pousou no segundo andar de um prédio rosa clarinho em frente e bebeu a água que tinha janela. Depois saiu voando rápido. Ele não prestou atenção. Ela forçou bem pouco o olho esquerdo embaçado pra ver três segundos de pássaro.

B: Mas será que a bomba faz barulho na hora que ta caindo?
A: Não sei. Eu imagino um barulho fininho, sabe uns que irritam cachorro?
B: Me irritam um pouco.
A: Por isso.

Os dois riem alto e ecoa. Não teve tanta graça. Não teve graça nenhuma.

B: Caralho, que merda!

Um inseto se mexe tanto que o pote cai, e fica deitado na grama. O outro percebe e não olha. E o direito enxerga perfeitamente, não está embaçado, não custa nada. Seria só ver. Mas não. Periga desequilibrar também. Ela não quer.

A: Sabe...
B: Quê? Fala.
A: Não sei eu...
B: Eu também não, te juro, eu também não.
A: É mais, é mais que não saber.

Ela fala como se ensaiasse. Um olhar perdido, perdido dentro.
Ele senta. Sai do frasco.

B: Sabe que que é dona sabe, é que to puto. E não deveria, mas to puto contigo, pronto.

Passa um carro carregando uma musica altíssima que tudo tão quieto acordou.
A: Que bom que nós dois odiamos música eletrônica.

B: Ah cara, foda-se. Vou voltar pra casa.
A: Por quê?
B: Tá chato aqui.
A: Tá? Achei que você pudesse gostar.
B: Não gosto.
A: Posso voltar com você?
B: Mas você vai pra lá. Que foi ta querendo dar uma de saudável?
A: Não, to querendo dar uma.

Não sabe se foi o carro, a bomba, ou a frase. Ele deu de ombros e saiu. Sentada, ela pode ver as costas se afastando. Ainda perto.

A: Seu tênis ta desamarrado, sabe?
B: NÃO SEI. NÃO SEI MAIS DE PORRA NENHUMA.
A: Ei, escuta. Olha aqui.

Ele se vira, e esconde o rosto no joelho, talvez pra amarrar o tênis. E dali mesmo “Fala”.

A: Porra. Eu queria falar tudo de uma vez, mas aí você vem e eu não consigo. Mas eu sempre consegui. Essa verborragia não me serve de porra nenhuma. Fico puta sabe? Quando que isso me foi útil caralio? Nunca. Nunca!


B: Só?
É, de fato uma pena. Eu vou pra casa, depois a gente conversa, eu te ligo, sei lá. Tchau.

(A: Espera! Volta! Eii, vem cá. Faltou a parte que eu imploro, a parte que esmolo teu toque.Por favor! Vem. Vem você ganhou, você ganhou! Eu perdi, perco, não me importo. VEM!)

Ela grita o nome dele. Ele vira tão repleto de sentimentos que por serem muitos nem valem a descrição.

A: Me liga?

A: Me liga pra sempre?

domingo, 26 de outubro de 2008

Cor sem nome

Mais um ano na vida começa. Eu fecho os olhos apertados, e como quem acredita penso um mesmo pedido, amor. Um novo amor. Amor só meu. Um cheio de coragem. Um onde eu não caiba nas asas, porque pra mim chega de terra, quero voar junto. Um amor cheio de coisa. Que me divirta. Que me convide sem tempo. Que queira dançar. Que ria do meu riso farto. Que conte antes as pétalas das flores. Amor que arrepie e que molhe. Um que não se assuste com o tanto. Um que não tema a forma. Um que queira mais. Meu amor vai ter sede. Um que entenda o fim, e não queira. Um amor já moldado. A outra peça do Lego. A cereja. Um que tenha barba e tenha cabelos e tenha costas e tenha unhas. E me tenha nas mãos. Um que me leia. Não quero um amor cansado. Nem um amor espelho. Nem um metonímia. Meu amor não vai ficar decifrando, já nasceu sabendo qual sou. Um amor que compense toda a espera.

Só quero alguém. Pra colorir.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Arrepio

Como posso arruinar todos os planos do imaginário? Como? As vontades me são tão fugazes quanto numerosas. Se conseguisse haveria cautela. Seria só adicionar um pouco da preguiça característica ao turbilhão que tenho dentro. Não existe em mim a capacidade de suprimir desejos, já que estes como um todo, são só anseios muito íntimos. E nem são grandiosos. Ou talvez sejam, não faz diferença, eles raramente se movem. As coisas que quero são madrugada, só existem no escuro.
Tudo embriagado de bom senso manda conter-se. Tem muito não por aí. Por isso, às vezes, grito tudo que quero. Foda-se. E depois vem o que muitos chamam de arrependimento, não acho que seja o caso, para mim mais parece um desperdício de mistério. O que me estraga é a pressa, a avidez, a coceira por coisas que no fundo sei não-possiveis. Pois são obviamente possíveis aos mais afortunados. Sou pouco pra tanto, vivo a contradição de impulsos pré-meditados. Vivo a carência de charme.
Eu sei que o tempo faz murchar os jardins, querem podados ou não. O meu faz jus ao segundo. Floresço muito a mente. E não. Não beiro a porra-louquice, tampouco a loucura. Sã. Sã como um choro, sozinho e lúcido, lotado de melodia e suspiros. Talvez me falte algo. Talvez o tenha de sobra. A conclusão que chego mais parece um aviso. Escutem tudo o que tenho a dizer com a flor da pele. Na superfície profunda. Nem mais, nem menos.

domingo, 19 de outubro de 2008

De mostarda à cinza

Chove, domingo à tarde, os dois apartamentos são nublados. Ele deitado no sofá mostarda com uma samba canção preta de seda. Ela sentada no sofá vermelho, tem pés de tigre e um blusão preto, acende um cigarro e liga; ele estica a mão e atende.

A: Oi
B: Diga-me.
A: Como ta tudo aí?
B: Cinza e ai?
A: Também
B: Deixa-me adivinhar... Você ta com as pantufas?
A: e um blusão preto.
B: To com frio.
A: Se cobre com almofada.
B: To ocupado.
A: domingo?
B: Não... to fazendo um chá
A: Que viadinho!
B: Me ligou pra quê?
A: Nada
B: To ocupado, depois te ligo.
A: Você nunca liga depois
B: É mesmo. Desculpa.
A: Tá. Não quero desligar.
B: E se o apartamento pegar fogo? Você vai ser a culpada sabia?
A: Mas você não vai morrer. Você mora no primeiro andar é só pular pela janela.
B: Redundante. Mas ai eu teria que desligar, e você não quer, e eu sou solicito.
A: Muitíssimo. Você pode virar o duas caras.
B: Não gosto de quadrinhos. Você sabe.
A: Sei.

Ele estica a mão e acende um cigarro.
A: Você é multifuncional ta vendo só? Jamais queimaria.
B: Como sabe que eu acendi cigarro?
A: Vodu.
B: Magia negra.
A: Macumba.
B: Perdi!
A: Nossa que burro, dá zero pra ele!
B: Ontem terminou de ver o filme?
A: Sim. O Bergman consegue ser mais chato que domingo.
B: Só viste um?
A: Não, depois vi O Homem da máscara de ferro.
B: Puta clássico meu! Depois que desligamos ontem bebi pra caralio e vi Taxi.
A: Beber uísque no sábado solitário, bonito. E Scorsese é ótimo.
B: Não... É aquele da Gisele Bündchen.
A: Puta que pariu.
B: É.

B: Tenho que comprar um telefone sem fio.
A: To gastando rios de telefone com você.
B: Adoro gastar rios.
A: Mares
B: Lagoas.
A: Chuva.
B: Perai...
A: ô não vale! Perdeu!
B: Oceano.
A: Cachoeira
B: Merda! Você nunca admite a perda, né?
A: Com você não, sou melhor que você.
B: Tá, então vou lá ver meu chá.

Ela senta no chão, no carpete, sozinha, pois tem alergia a pelo de gato, e cachorros babam.
A: Quero ir aí.
B: Quer trepar?
A: Porra, porque você é sempre casual, sua casualidade me irrita.
B: Você é melhor que eu.
A: Eu sei disso, e que se foda.

Silêncio no frio de meio minuto.
B: Sabe o que é nojento?
A: Quê?
B: Uns bichos que ficam rastejando, tinha um no banheiro.
A: E eu?
B: Você o que?
A: Eu pareço uma minhoca pra você? Por você?
B: Cara não fala merda, que frase ridícula.
A: Eu acho que você sabe que sim.
B: Cara ta vendo só? Perdeu o lirismo da conversa, ficou chata.
A: Como assim perdeu o lirismo? Porra, perdeu o lirismo quando você falou trepar.
B: Mulherzinha você einh?
A: Mulherzinha teu cú.

A: Perai, tão me ligando no celular.

Enquanto isso, ele levanta, desliga o fogo. Prepara o chá numa xícara sépia. Abre o armário. Não tem torradas, nem biscoito maisena. Só Gim. Gim então. E volta à sala. A sala parece mais cheia. Mais mostarda que nunca. “Porque tem visita”. Puxou a mesa pra perto. Sentou. Abriu a garrafa. Encheu o copo. Cheirou o chá. Cobriu-se de almofadas. Por fim, telefone.

B: Pronto!
A: Pronto?
B: Parece mais cheio com você aqui. Quem era?
A: O que ta bebendo?
B: Chá e Gim quer?
A: São seus amigos Japoneses?
B: Não o apelido das minhas bolas, nossa suas piadas são péssimas!
A: Sim, porque as suas são boas.
B: Um metro e meio de pura ironia.
A: Deixa de ser babaca. To de saída.
B: Não quero que venha hoje, sério, desculpa, mas é que to muito em mim.
A: Ta muito em si? Okey, eu ia sair com a Thaty, vamos tomar um vinho aqui na esquina.
B: Sério? Vou também.
A: Você é afim da Thaty né?
B: Tá louca?
A: Não quero que você vá!
B: Meu, eu não to afim da Thaty!
A: Ta bom.
B: Já estão indo?
A: Não.
B: Me liga quando tiver saindo?
A: Eu já to contigo no telefone, vou é desligar.
B: Então vou trocar de roupa. Você vai de blusão?
A: Vou, e você não.
B: Não, acho péssimo sair de blusão.
A: Não vai! Vou me encontrar com o Caio, pronto. Caralio que saco!

(B: Piranha! Sua filha da puta, você não um pingo de vergonha na cara, eu devia ir lá atrapalhar sua foda. Sempre que tá frio você quer um corpo. Coitado do cara, não sabe nem o que ta comendo. Pelo preço de um vinho merda. Você é melhor que eu? Há é melhor que eu sim. Você nunca mais vai me ter, isso sim. Não quero mais perder meu tempo nessas ligações ridículas. Burra, Vadia, Gorda, Filha da puta, Escrota... E a lista não pára.)

(A: Odeio a porra do Caio, você sabe, queria ir prai. Quero você-domingo. Quero você-segunda. Eu quero até você-sexta-feira-ànoite-dispensando-programas-irrecusáveis. Eu quero você. E você só você-você. Burro! Eu poderia te amar.)

B: Calma! Era só você ter me dito antes né? E olha vai sem blusão, porque é brochante, deveras.
A: Pode deixar! Quando voltar te ligo!

A: Aloooou? Quando voltar te ligo, okey?

A: Ei morreu? Vou te ligar na volta!

B: Tá. Liga. Beijo.
A: Queijo.

A sala, de mostarda à cinza.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Bom inferno astral

Quando não sei o que dizer existe um problema seríssimo. Quando ao me ouvirem não souberem distinguir o que é futilidade expressa e seriedade sobre basicamente amor, é porque não sabem meu quanto. Se pudesse prolongaria minha escrita em agradecimentos, mas isso é chato e pouco rentável. Se pudesse escreveria sobre a beleza no olhar, sobre o calor de dentro, mas isso é batido. Se pudesse ser outra coisa talvez fosse morar na lua, talvez fosse atriz, dançarina, modelo e puta, talvez fosse melhor do que passar madrugadas dentro de páginas. Acarreto-me um valor tantas vezes desconhecido e outras tantas burro. Como uma vez me disseram, você não cabe em si. Achei tão bonito, guardei como um troféu em prateleiras gordas, depois achei triste, por estar guardado. Eu sou tão eu que tenho medo. E essa leitura é de fato chata, é mesquinha e dispensa os africanos sofredores, dispensa Bach, dispensa o asfalto esburacado, dispensa o grande para ser atenta a alguma coisa mais minha. A repetição do tema não é falta de criatividade, mas a inesgotabilidade deste. Pode ser pedante, o é, mas viver só dentro de mim aborrece. Invejo a ficção, invejo tanto a boa ficção... Amanhã comprarei um repelente para matar mosquitos, e nem tive a chance de dizer que um chamava-se John e o outro Brian e que tinham um amor implícito homossexual americano do norte. Um conto chato e sem clímax. “Não gozo há dias” parece real. Suscita a dúvida entre o verossímil e a verdade. Pronto um bolo de coisas descartáveis. Um mosquito me mordeu na testa. Juro!

domingo, 12 de outubro de 2008

Dois pra lá, dois pra cá

Como se todos os segredos pudessem ser revelados no sorriso cheio de dentes. Como se a suposta proibição instigasse cada vez mais o libido pelo novo. Como se o rubor na face alva não precisasse ser despistado com olhares baixos. Diante da identificação nela, definitivamente mutua, palpitasse a certeza de uma coisa que sabe lá se é perene, que está aquém do amor e além do amante. Que já era hora de dizer nas perigosas entrelinhas, quase nunca desacompanhadas de ouvintes, que existe um querer. Além de convites imarcáveis, elogios amigáveis e não elogios há dança. Uma dança acanhada, que poderia flutuar, mas tem pés no chão, e mãos atentas. Depois o encontro de olhares não brilha, só olha. Como não pode ser romance, sorriem os dois, desgrudam-se, distintos, que dentro em breve, improvisam nos corpos a vontade retornante. À vontade, poderiam estar descalços. Um pé no outro seria gostoso, como o toque do pêlo, como o encontro dos colos; como era dia sem sol. Certa é a inconstância dos dois, certa e leve, certa e graciosa, certa, cheia, preguiça. Será possível a verdade dos fatos se não conheço a tua alma? Posso dispensar o rebuscamento da nova gramática? Posso avançar no flerte? Quero avançar no flerte? Então fiquemos assim. Indefinidos. Eu a espreita de mim e tu como quiseres e bem entenderes. Pois por enquanto não encontrei o nó na garganta, nem tive vontade de expeli-lo imediatamente como uma louca varrida com toc pela verdade. Reservo a verdade para sua dona, talvez capaz de entender-se e a sua confusão/confissão de linhas. E ao desvalor destas.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Insisto

E ser assim
Com a aflição de querer ser boa.
E sem olhar pro céu já saber a soma
Sem ter pretensão, entender-se feia
Sem ter medo, mesmo mentindo, por ser só coração
Ir andando andando andando, sem pressa, em multidão.

Empassarinhar no colo de mãe
Voar bela, voar simples.
Conquistá-los todos, peneirá-los todos
Cavar buraco em chão, em gente, em nada
Acal.mar a correnteza das veias em versos.

Então sentada.
Rasgar.
E ter tendinite nas mãos por descanso aos pés
Pois desiste.
Rasgar e amassar.
Olhar pra trás, muito. Dentro
Ver o mundo
Bola de papéis
(Todos seus).

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Confesso

Ainda restava um muxoxo de amor rejeitado. Mistura dos sentimentos ruins no teatro do fim. Havia uma pré-qualquer coisa que mantinha o desalinho do ritmo nos dois corações. Um que batia demais, um que teimava em bater. Talvez nele só o pré. Um pré que não me cabe.
Quanta ousadia essa coisa de só querer bem. Se ainda atenuasse a estupidez do telefonema último (expressão feia dita, e feia feita). Não. Não há pleonasmos para o fim. É chão e pronto.
Ainda que alguns tentem exigir de você o amor-próprio, esse antibiótico da razão. E pra quê? Como se não houvesse beleza na dor.
Até rasgar a cabeça o pensamento lotado. Até estuporar a raiva no espelho. Até secar feito lagartixa na cama encharcada. Para pisar na rua só. Só pisar em todas as ruas. Soubesse quão difícil foi acreditar na fatia do eu que um dia tive. Quando fui tão toda. Agora eu era nada.
Enquanto minha coragem, feito um casaco usado, com pena de jogar fora, ficou guardada no teu armário. Faz frio, meu bem, é inverno aqui fora.
Depois tem saudade, como a saudade é orgulhosa. A saudade é nublada pra quem sente. Não é sépia, é cinza. Vez por outra se esquece de durar. São lapsos. É burra. Como é burro não te ter saudade. Como é burro um você pretérito. Eu te penso, ás vezes.
Hoje eu sorri. Sorri depois que te vi desde a ultima vez que te ouvi sem depois.
Você continua; persiste no seu ritmo que não ralentei. Porque é isso que o amor faz, faz ralentar, demorar, dá pano pra manga.
E Eu não. Terminei. Cheguei. Sorri te rever. Senti-me oca. Oca bom. Analfabeta de amor de novo. Senti-me pronta, pra quê não sei. Mas pronta.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Sentido

E quando cheira o colo quente
Nas mucosas impregna
Um quê de coisa escondida
Quê de coisa sagrada
Sob vertigem de um homem púbere

Nas tramas das camas vividas
Há tanto
Quanto a minha flor da pele escarrada na tua avidez
Quanto no morno da saliva arrepiando quase as coxas
Quanto no prazer liquefaça-te quase nada,
senão relógio

Então segue com tua cara limpa
A escritura do meu corpo
O braile das digitais
A febre da minha saudade
Que penso em ti ausente

Depois ligações fedendo a outros corpos
Trazendo na voz do novo encontro
À câimbra emudecida aos poros
Quer teu eu embora incerto
De novo em mim

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Uma noite

Era tão noite que o relógio parecia à tardinha. Mesmo aquele nervoso dos insones já havia passado. As preocupações burras das horas não dormidas e da alvorada próxima já não lhe preenchiam as idéias. Levantou-se da cama inútil e foi ate a janela acender um cigarro. A fumaça por ela produzida não subia mais que ali o quarto andar. O universo é um Deus intocável, um que contempla. E ela cética, não se rendia a enigmas sutis. Inclusive, achava ruim admitir que se sentia realmente especial só por reconhecê-los. Por isso seguia prosaica uma vida de escritório, embora não trabalhasse mais num. Mas não era o desemprego que a perturbava aquela noite.

Era uma saudade de alguma coisa. Era o cheiro da avó quentinha. A nostalgia do enterro do passarinho no quintal. O balanço na árvore. O gosto de gelatina de framboesa. As cento e vinte e duas conchas ou brancas ou cor da pele do verão em Santos. Os primos. O bolo de fubá. A Dona Elza. As fitas de cetim rosa. A geladeira azul piscina; da sua, agora, ela tira um pedaço de gorgonzola e come cheio de lágrimas. Ser adulto fede.

Isso não é hora para telefonemas. Não que fosse educadíssima, conhecia por alto algumas normas básicas de convivência social. Sentou-se ao lado do telefone. Tirava-o do gancho, escutava o som continuo, tinha linha estava funcionando. De novo, ainda funciona. Mais uma vez, perfeito. Acendeu outro cigarro na janela, e agora soluçava ao universo. Tinham nomes, todas aquelas estrelas. Resolveu discar.

-Alô? Alô?

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

Desligou. Respirou fundo, por duas ou três vezes. Secou as lágrimas. Enrolou os cabelos num coque preso por um lápis. Ligou novamente para escutar a gravação.

- Rodrigo, sou eu. Você não deve estar acordado. Você com certeza não esta acordado. Como esta a Mel? Os filhotes venderam todos? Encontrei sua mãe semana passada no mercado, ela esta bem, não? Ela disse se me viu? É que eu estava com pressa, não pude parar pra falar. Enfim, ela nunca gostou mesmo de mim. Ela me evita agora. A Brigite me chamou pra ir a Paris, ela trocou de apartamento, quer minha opinião com os móveis. Eu disse que estava com fotofobia pra Paris. Se der me liga, um beijo.

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

- Rodrigo, eu não estava pronta. O médico tinha dito que era só embrião. Ele deu uma explicação convincente, eu não to maluca. Disse que o cérebro ainda não estava formado que não havia consciência. Desculpa. Eu não consigo. Errei, sou culpada. Já não durmo. Não sei mais escrever. Ta tão escuro. Não me mate, se há amor, não mate. Sou ruim, sou má, você não. Me ajuda. Não sei. Me desculpa.

“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”

-Vá até a janela Rodrigo. Faça isso. Vê bem como as estrelas morrem. Corre até a janela pra ver. A gente nem sabe o nome delas. A gente nem liga quando já é dia. Me enoiteça Rodrigo. Me enoiteça de novo. E olhe pra baixo no teu céu se não, outra estrela se apaga. Te amo.

O interfone do primeiro andar toca, e é atendido quase que de imediato. “Oi seu Rodrigo, bom dia, desculpe incomodar o senhor assim cedo, mas é que a dona Cristina do décimo andar ta querendo sair com o carro da vaga e tem um outro carro aqui atrapalhando, aí eu fui lá ver era a Dona Clarisse que tava parada lá dentro dormindo um sono de pedra, ai eu to meio sem jeito né... ai to avisando o senhor... vai que o senhor que é esposo consegue avivar a dona.”

domingo, 17 de agosto de 2008

Verso viúvo

Então dói a página em branco. Pois o poeta inerte se faz inútil. Sente-se vestido de descaso, ignora toda a beleza, incapaz de entender o parnasiano. De volta ao escuro, seu corpo é caverna vazia. Uma procura suicida sem graça por um verso que seja. O ultimo sopro de vida vem sem lirismo e descompassado. Esses versos rudimentares não são bem seus, são do mutante que some em meio à multidão desgostosa cuja mesmice não umedece os olhos. Sabe-se lamentável pelo desapreço à rotina. Sua deriva ignora o caos externo sem encobrir o que vem de dentro. Na desordem abstrata o poeta cala. Perdoe a falta de jeito, perdoe o tom intimista, perdoe a inveja que existe pelos mundos florescentes, o poeta foi ao nordeste. E quer ser vão o bastante para acreditar, que há um deus no tempo, que reverterá seu dom numa chuva de versos reluzentes. Sol e chuva casamento de viúva. Chato, parece ser tudo. O tempo e a falta d’água causam-lhe rugas. Ainda, o poeta acredita. Não há espelhos na caverna.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Imaginou que ela viria hoje. A velha refletida no espelho conflita com a imagem de Neusa. A saudade impregnada no olhar, o nó da garganta ramificado nas rugas, o pretume do medo nas olheiras. Quem a visse sob a meia luz do quarto pensaria antes no cômodo, se a percebesse presumiria uma estátua triste. O tempo parecia ter retirado a carga de importância da velha.
Na última sexta feira, Neusa recebera a visita homeopática de seu filho. Prevendo o girar da maçaneta, ela se antecipa ao olho mágico. Ao ver Leopoldo parece desinflar o peito, numa coisa que não se sabe alívio ou desgosto. O rapaz estranha o comportamento agitado da mãe. Não queria café, nem chá, nem leite, nem coca, não queria nada, só vê-la, como sempre. E, quem sabe, trocassem algumas palavras, ou talvez como ocorrido (e para surpresa do filho) a mãe falasse sem parar, sobre a visita de uma moça. “É muito bonita meu filho, deveria vir aqui mais vezes e quem sabe a encontraria. Tem os cabelos negros como a noite, a pele de tão macia, parece perolada, uma seda, meu filho, uma seda. Da primeira vez eu estranhei, já era tarde, quase onze e meia, eu sei que você acha que não devo abrir a porta pra estranhos, mas a bela não faria mal a uma mosca. Ela não disse nada, apenas sorriu e me abraçou. Claro que me desvencilhei daqueles bracinhos, que maluquice, mulher esquisita. Pois bem, fechei a porta e ela foi embora. No dia seguinte ela veio mais cedo, depois do jornal, pensei em não abrir, mas de lá ela gritou meu nome. Ordenei que entrasse e deixasse de alarde no corredor, julguei que fosse uma sobrinha do norte que a idade me fez esquecer, mas não. Na verdade não sei, a moça começou a falar do tempo antigo, me perdi na conversa e acabei por não saber de nada. E tem sido assim, ela chega quando quer, não toca em nada meu filho, não aceita um chá, mas conversamos que é uma beleza, depois vai-se embora, não sei seu nome e agora fico sem jeito de perguntar, não quer ficar por aqui filho? Pra conhecê-la? Já imagino os dois juntos, nossa quanta prosa! E é bonita viu? É linda.”
Leopoldo sentado no sofá ouvia a mãe discursar sobre a mulher. E tentava esconder o choro com as mãos, embora Dona Neusa mal olhasse para o rosto do filho, perdida em seu palco esquecera-se da platéia. Ele viera disposto a contar toda a verdade a ela, vinha cultivando coragem, ensaiando as falas para a revelação. Derreteu-se com os pedidos da mãe para que ficasse, que ficasse para ver a moça. Leopoldo desconfiava que a velha houvesse inventado toda aquela história, afinal era muito sozinha e orgulhosa, jamais o pediria para ficar apenas por ficar. Engoliu a revelação e todo seu porvir, mas rejeitou o pedido da matriarca, disse que trabalharia no dia seguinte e que ela dissesse para a tal moça que passasse no domingo. Despediu-se com um beijo nos cabelos brancos.
Já no elevador, lembrou da conta de luz do mês já atrasada que pagaria para a mãe. Voltando a casa, viu Neusa em frente ao espelho. “Está bonita Dona Neusa, já pode sair desse espelho”. A mãe pareceu não ouvi-lo. Leopoldo já não conteve o choro. O boleto foi pago, úmido.


- Já é meia noite, não é tarde para essa visita, filha?
- Deixe-me entrar Dona Neusa, eu sei que tem perdido o sono.
- Não quero que entre hoje, desculpe. Hoje vi meu filho. Ele quer encontrá-la domingo, venha no domingo.
- Não, só posso me encontrar com a senhora, sabe disso. – disse a moça encostada na porta fechada.
- Hoje, não, por favor. Só mais um tempo. – pediu a velha.

A porta foi aberta. A moça hoje estava radiante, a pele alva reluzia juventude. O perfume inundava o ambiente. Ao ver Neusa encolhida na cama, abriu um sorriso tal qual um calmante, sentou-se ao lado da velha e abraçou-a.

- Vamos, Dona Neusa, vamos dar um passeio. – disse a jovem em tom angelical.
- Mas... – Neusa não conseguia pensar em razão para opor-se ao pedido, a companhia da jovem lhe era tão mais agradável que a solidão da casa.
Quando iam saindo de mãos dadas, a velha pediu para deixar um bilhete ao filho caso não voltassem antes do domingo. Conquanto soubesse que o retorno seria demorado.

Leopoldo no domingo vê o reflexo da mãe deitada na cama e um bilhete na geladeira “Fui passear, fique bem meu filho”. Não encontrou a moça e acabou almoçando sozinho.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sorriso do tímpano

Acho que gostaria de fazer uma ode aos simpáticos, como se pudesse fazer jus a coisa alguma. Se pudesse, faria a este grupo de pessoas do qual me auto-rotulo (e não a contragosto como de praxe) só pela genuína diversão com pessoas na competência de existirem. Aplaudiria o cerne da primeira impressão mutável. Como alguém que detesta que o pé esquerdo levante pela manhã. Não como um beijo do político melado na testa do pirralho sujo. Essa simpatia descriteriosa que sai por aí distribuindo panfletos sobre shows esporádicos. O anonimato cabe aos não-carrancudos. Não me aborrece desdobrar-me dentro dos predicados a fim de derreter-lhes um sorriso outro no rosto austero. Gosto da aceitabilidade alheia, da casa cheia, das grandes rodas. Só concordo com a autenticidade do gesto. Eu gosto do bom dia, não do monge, gosto do bom dia. Encanta-me o bom, o bonzinho me é dispensável. Eu gosto é do padeiro, do moço da locadora, da dona Maria, do entregador, do turista, da moça que vende flores, do motorista. Eu gosto dos olhos apertadinhos de tanto sorrir, ao escutar tambéns. Gosto de ser a tecelã amadora treinando no ponto cruz do novo encontro. E sonho uma longa costura. Deixa-me dizer especificamente quanto cada um tem da fração desse meu todo espírito. Deixa. Eu posso dizer. Gosto tanto de gente, quero tantos possíveis. Chego a repetir tola, justificar meu toque, querer ser entendida, chego a falar sem ter fim. É isso. Quando crescer quero ser gente boa, só para ter por que na vinda. Acho que gostaria de fazer uma ode aos simpáticos lançando meus salves no ar, quem quiser que escute.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

pG

Hoje à noite, eu jantei o desamor. Não foi tão difícil engoli-lo. As lágrimas quentes foram desconfigurando o primeiro sorriso que entreguei a ele. O silêncio havia preparado a queda sem atenuá-la. Hoje, eu senti o amargar do desencontro dos lábios que não sabem o que dizer. Eu não vomitei as palavras, nem me passou pela cabeça a fala poética-progressiva- nervosa-errante-usual. Minha cabeça pareceu um álbum calado de retratos embora singelos, lindos. Meu banco de dados murchou, parecia o fim, ainda parece, o é. Talvez ela, minha intensidade corrosiva, essa ânsia pelo grandioso, o tenha amedrontado. Talvez o amor centavo me valesse, não... Essa lucidez hoje não engana. A doença dos amorosos é viver a esperança da incerteza convicta do final. Não irei diminuí-lo, o pássaro que carregou meu amor nas asas voou rápido, e em mim a ventania que fez, não balançou só os cabelos. Quis tua vinda como uma ida à esquina, um café pequeno, um casaco, acabei por não lembrar que de fato, era isso. Agora já é tarde, o mundo podia ter acabado naquela noite, no grude dos corpos, quando fitaste meus olhos que concordavam. Um corpo só. Hoje, a noite me reservou uma jantar sozinha, numa mesa pra dois.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Febre

O termômetro marca trinta e sete exatos graus. Sorrio na cama e na cama fico até que qualquer vontade acessória me mova a um objetivo razoável. Tenho febre. E é esquisita, não é uma febre fisiológica é a febre do pensamento. Porque ele nem bem saiu, e sua ausência arde. Não é a saudade incontrolável de novos amantes, esta que de tão linda e fugaz passa num banho frio de distância. É o calor da constatação da ausência, não dói não, nem lateja,não é ruim e não passa. Te faz sorrir perene dentro de si mesmo, tira as flores vermelhas já secas da jarra e coloca as marfim, sob o sol morno do amanhecer de inverno. Um calor diferente; parece que dei chá de camomila ao amor, e a fumaça embaçou tudo dentro. Uma vontade de agradecê-lo e agradecê-lo intermináveis vezes, sem que ele escute pra não parecer piegas, só por me fazer sentir, só pelo prazer de não ser tão rasa, só pelo amor desgarrado, só por ainda querer. Eu nunca ainda quis, mas ainda quero. Mais ainda quero. A continuação que não o fim, bem menos irrecuperável que antes, aquela que moldará minhas arestas às novidades sensíveis do mundo (nosso). Com infinitos trinta e sete bons motivos, para dividir o edredom.

sábado, 12 de julho de 2008

Âncora

Eu sou a amiga dos segundos, cuja noite agrava o pensamento congelado. Espero um porvir que não exista. Um porvir pouco anil, quase sépia de tão chocho. Eu entendo a ânsia coletiva daqueles que realmente com ele se importam, a invejo, invejo o motor daqueles que seguem lotados de uma coragem tão genuína e heróica. Esses que mesmo se perdendo no mar dos medianos, mantiveram os olhos abertos pro cais. Os amigos das horas que virão. Eu, no entanto, bebo na fonte salgada, dos não promissores. Nem subdesenvolvido, nem central. Só um país(inho) interessante que ninguém lembra o nome. Às vezes, a cabeça é tão fria que as árvores sorriem com suas enormes raízes complacentes, e as imito. É. Talvez a culpa seja da inércia das árvores. Eu posso me mover, dançar, chorar sentada em camas estranhas, pular com os braços para cima, gastar a sola e os pneus, ainda assim, tudo que quero ser é uma árvore. Elas são magras, antigas, intelectuais e fofoqueiras. Isso é ridículo. Invejo a labuta e durmo de tarde. Defendo pessoas e vou ao shopping. Eu amo o revés. E amo você também. Vocês, gente foguete. E saibam que eu nunca dei de ombros. Mas, é mais forte que eu. Os espero então na saída do teatro (à sombra do sucesso), contando os segundos, esperando do buquê que carrego no colo o bem me quer, os sorrisos e a as angústias do palco. Fazendo jus com meus amontoados de palavras à bela autobiografia dos outros.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Fim

Foi difícil, nós conversamos, ela não sabe dizer quando começa o fim do amor. Ela foi embriagando um monte de palavras, trocou as pernas e errou os abraços. Lembrou-me das brigas antigas, naquelas em que vermelha, gritava de raiva, até não poder mais, aí me abraçava, como quem escolhe antes o lugar do desmaio. Foi diferente. Ela disse que o fim de amor não tem memória. Eu não entendo nada do que ela diz, acho que é por isso, não a memória, o fim. É que ela fala bonito, é rebuscada sabe, não sei. Ela, na semana passada me ligou, perguntou por que eu não ligava, e eu perguntei por que ela não ligava, ela disse que sua frase era ambígua, nem me deu tempo de falar, “Você parece uma despedida” e desligou. Eu entendi, eu entendo. O telefone toca novamente, eu atendo, está mudo. Não estava mudo, tinha ela, orando esporros.

- Você não vai falar nada? – perguntei. O silêncio continuou. – Não espere que eu fale. Você sabe que eu não dou pra isso. Eu sou aquele que parte, não é o que você diz? Que sou aquele que parte?
Isso porque eu já havia partido, e também seu coração. E quando bem entendia eu partia, no início era assim, o amor ardia tão quente que me fazia ir embora. Era isso, não traição, eu nunca a traí. Ela dizia que a traição era só a iminência. Tá vendo como ela é? Ela é sauna (a vapor, embaçada).
- Sabe o que acontece?- começou o aparelho. – Acontece que eu vivi nossos últimos dias, e o pior é que você nem deu as caras, mas foi bom, talvez se desse eles não fossem últimos. Eu vou aí.
- Não! (o homem tem medo) Não vem agora, to ocupado.
- To indo.

O som de ocupado é solitário, muito. Nem vou ao espelho ensaiar o final, ela se bem a conheço, passou os últimos dias feito Narciso. Permaneço imóvel ouvindo a sinfonia telefônica, ela viria roubar meu posto. Viria até aqui, só pra partir. Tudo bem, eu concedo, veja como sou um bom homem, dou-lhe o prazer da partida, deixo para ela o fim do gênero.

Só que ela não vem. Dormi no sofá, com a porta aberta, perigando resfriar-me. Ela não vem e não liga pra dizer por que não veio. No dia seguinte, tentei não a esperar, sem sair do sofá. Mais um dia, e infantil, checo até a correspondência, fui ridículo. Foram três dias, t-r-ê-s dias.

- Cadê você? Não disse que vinha?
- Eu vou, to indo.
Acho que entendi o troço da iminência.

Veio. Algumas horas depois, me chega. Irreconhecivelmente bêbada. Meus vizinhos estão viajando e não por isso, fizemos amor de porta aberta. Feito macacos. Só ela gozou (do meu posto). Agora me parecia sóbria, e nua. Conversamos amenidades, enquanto eu vestia as calças, como se ainda fosse possível. Como se ela precisasse desse instante para organizar toda a confusão destilada do tempo a sós que tivéramos juntos, todo ele num gole só. Eu tenho pena do início, pensei. Num resquício de conexão, nos olhamos. Com pressa, fingi não entender.

Assim, sucedeu-se a briga, a irritação beirando a inconsciência, as frases e seus gumes emblemáticos aos ouvidos, a revelação das ratoeiras, as incríveis verdades e a agressão física completamente branda e ineficaz, uma mola (que precisou comprimir para distanciar). Ali sim, fizemos amor, o fim dele. E eu descobri, tendo-a sozinha em meus braços, onde começa, e há quem diga o contrário, mas não; é na mola, exatamente, o fim do amor começa ali.

domingo, 6 de julho de 2008

As tolas definições

É por isso que na tua selva, cujo chão espeta, estamos voando, talvez daí nasça o anseio de ser único, que não último. O único recorta o todo, o todo não-nosso é extinto, quando me tens nos braços. Quando nossa aurora proibida e preguiçosa nos traz ao mundo das cores, essas que suscitam as mais diversas reações. Quânticas, quantas, cantadas pelos cantos, clichês, incomuns, contrárias e carentes. Carentes de sei lá o que. Carente... Intransitivo.
E como sabes suprir no encontro das órbitas, com o teu bem dizer bem dito. No teu compreender ríspido, não te atentas das minhas bobagens predicativas, pareces um tolo dentro da tua pele a elogiar meus músculos e beijar-me a boca. Entretanto, o microscópio ainda está na caixa, agora não tem mais jeito, perdi a nota fiscal.
De saldo, fizeste-me um melhor poeta.
De saldo, deste-me o prazer da lava ao coração empedrado.
De saldo, arquivei todos os meus tantos planos em prol de não fazer nada.
Um nada que é tudo e não a ausência dele.


(Também, não me predisponho, a perder as noites que contabilizo insone, contabilizando um saldo não meu. Isso seria só adivinhar, só racionalizar o tudo, o nada, numa escala injusta. Minha escala é injusta. O saldo que ela (aquela ridícula que se remete a si mesma na terceira pessoa) resulta nele. Utópico. Eu nem penso, mesmo, nisso. Pois assim, ofereço-lhe (meu) tudo. E o resultado passa de predisposição à escolha.)

terça-feira, 1 de julho de 2008

No ar

Ai como a vida é dura não é mesmo? Só por termos nascido um. E um somente. Pudera eu ter nascido seu siamês, seriamos felizes. Afinal de contas, o amor de entes é algo sem explicação, e basicamente, tudo que tenho feitos há dias é tentar entender. Saber de fato, dissecar esse amor recoberto de mim. Chegando àquelas conclusões tão óbvias que merecem vida, amar não é igual e amar dói. Auto-explicação nos olhos dele quando fitam os dela, sem graça na noite escura. Seus olhos pedem amor. Difícil, tão menos difícil, quando só os olhos, estes sim em pares, sem respaldo daqueles, amornam. Eis que chega a solidão que te rouba a atmosfera. sabe o que a solidão carrega na mochila? Ar. Todo ele. E ficamos magros. O amor dá fome.

Insegurança é o que sentimos, nós os tudo. Já que aqueles processuais têm uma calma etária bem velha. Se morder sai coca? Não, saem dúvidas, muitas delas, asfixiadas aqui dentro. E são até mesmo injustificáveis, quando não infantis, mas pergunta amigo, pergunta mesmo sem resposta. Já não queremos elucidá-las, queremos só nutri-las de ar, para crescerem e nunca morrerem, só com o fim este infeliz. Quando no reencontro permanecerem bem quietinhas e serenas nos poros, você disfarça com o sorriso, e esquece-se dos olhos, óbvio.

Eu te amo é assim, óbvio, chato, difícil, doído, infeliz e um, um só, até o fim.

Rouquidão

Só enquanto eu puder dizer. Dizer tudo que pudesse ser dito, sem me privar dos apostos intermináveis. Dizer só por tentar fazer-me entender. Querer ser entendida. Eu sei que é pouco, só que é tudo perspectiva. Todo o meu objetivo é ser entendida, vai ver que é isso. Onde brota a fonte da prolixidade, eu tenho sede. Por ainda arder uma necessidade de soltar os cabelos, mesmo gostando pouco, só pra gastar meus grampos nas fechaduras das portas. Eu não vejo quase nada de portas semi-abertas. E não me apetecem as escancaradas, prefiro então permanecer belíssima, e penteada. Também há mais além da fala continua e ininterrupta, não é só um bolo de roupas sujas. Há um medo do silêncio, embora paradoxal sendo assim revelado. Tenho medo do que sussurro, mas o faço pois meus ouvidos podem estar cansados e deixe que os outros pares passem apressados pela cidade. Ninguém tem tempo pra essas bobagens. Ninguém tem tempo pra especulações. É tudo tão pragmático, tão cheio de regras. Talvez eu tenha Fanta laranja nas veias, eu não gosto de Fanta laranja, não gosto do gosto, porque não é completamente doce, porque é totalmente saciável, porque perde facilmente o gás. Só a cor mesmo, cor de laranja. Eu adoraria mostrar meu avesso. Adoraria a conquista verídica. Adoraria emprestar-lhes meus olhos. Adoraria se tecêssemos planos. Adoraria que todos dissessem, mas aí perdia a graça... a minha até. Às vezes queria aceitar indiferente, todos os predicados a mim atribuídos. Às vezes queria passear, só passear. Às vezes, confesso, me acho boa demais, às vezes péssima, por não fazer nada de bom com isso. Mas lembro que faço, e não tampouco, digo. Embora carente de charme, inflado de vontade e sem pedir licença, em meio a linhas e linhas de prosa (ou monólogo, tanto faz, não tanto faz, mas pra ser concisa tanto faz), eu diga ou sussurre ou grite ou trema ou sue esse sentimento meu, assim, sem nome.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

(...) Quanto?

Tanto que no banho os dedos engelham e a água quente tenta, mas não lembra teu toque. Tanto que a madrugada de quinta ainda não é sexta. Tanto que narraria teu diário. Tanto que me vicío num só tema. Tanto e tantos rostos bonitos e tão só bonitos. Tanto que agora tenho olhos verdes esperançosos. Tanto quanto os teus ainda existam. Tanto que te pressinto, muito, até ser exaustivo (como isso). Tanto até você achar que é para você. Tanto que pode até ser. Tudo. Que mesmo tua pergunta fica subentendida e digo exatamente o que podes ouvir.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Ao cara que reluz

Não precisa nem rir sem graça. Pode acreditar que é teu, sem medo. É como um beijo que jogo no ar. É como um cosmos que nos aceita, e me faz redigir como se já estivesse tudo ali. E um primeiro interesse que só serviu de pavimentação pro nosso país, que é grande pra burro, nem é país, é o mundo, somos Saturno!

Admita, meu grande amigo, que nos perderemos de vista um dia desses, nesses enlaces, e sorria quando tentar dizer toda a verdade, toda ela, como um legado de coisa pouca que quis te deixar. Permita que as lágrimas amornem os olhos e saúde a maravilha das derrotas conquistadas, e das póstumas, e de todas que ainda estão por vir, camarada, isso que é viver.

De resto, vamos levando, tudo que é meu é seu, tudo que produzo, quer pequeno, quer grande, tem teu fragmento ou muitos deles. Feito isso aqui.

Se vieste grande, foi pra caber tanto coração.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Festa de São João

De repente fechei os olhos de frio, e quando abri tinha as meias vermelhas nos pés, suaves feito Nat King Cole. Subi tão alto quanto dancei, foi então comigo no meio, e todos os medos em volta de mãos dadas e pés aquecendo a ciranda do jazz. Nem fico irritada, não é incrível? Era bastante escuro, assim que se fecham os olhos e ainda tem lampejos claros, então, o depois. Aí o mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor, o mato cresceu ao redor ao re-dor, chorei por saudades, ela não quis entrar na roda porque não tinha saia, mas ai ficou ali, olhando meio de lado, como quem nada quer a vi pegar na mão do medo vestido de barata e do vestido de desamor, abrindo um sorriso; Pro que é que a saudade sorri mesmo?

Bonito é ver tudo girando! Mordi um pedaço de palavra, tem gosto de cigana, não vi que destino teve. Só vi que serviu pra mim e Fernando Pessoa. Pra que parafrasear, assim tão de cara? Deixa que as palavras se amoldam em fila e formam um corrimão pra escorregar com cuidado de saber quando. Pra poder até quem sabe, descomparar. Pra poder ser bonito mesmo sem ser. Bonito é ver tudo girando, aí sim: é Fernando, é dançando, é ciranda até não parar mais. Naqueles ressonos, de quem se engasga com o ronco, eu acordo e caio de cara no matagal, e vou rolando morro abaixo, e paro lá onde Judas perdeu as meias, mais longe que as botas. E assim, nem ligo de voltar andando, vou comendo o algodão doce do céu. Viva São John (Lennon)!

domingo, 22 de junho de 2008

Não acho

Me sinto culpado. Por vê-la atravessando a rua, sentindo-se feliz. Ela não olha pra tras, ela continua como se não houvesse nada ali, ou como se o que houvesse fosse menos importante do que o que há por vir. Eu sei que não é assim, sei bem. Eu chego a adorá-la indo embora, e chego a comover-me com a cena, e só. Não há mais nada além dos pedidos de telefonema, não há mais nada além da falsa impressão de falta que ela me faz. Na verdade não me interesso pelo seu íntimo, em nada, sob nenhum aspecto, e ela é, acreditem, a mulher mais interessante que possívelmente terei em vida. Ouço tudo o que ela tem a dizer, tudo, sorrio das desventuras, chego a chorar com o que é triste, adoro seu quê de tristeza, mas não quero saber mais, não pergunto nada a mais, nem quero saber se os azulejos do banheiro eram azuis ou marfim se ela me diz que era um banheiro claro. Espero que ela pense essa falta de curiosidade como uma completude de informações, mas não, a quem quero enganar? A menina também tem uma sensibilidade assustadora, entende tudo, e eu sim, fico a bancar o misterioso, como um homem encantador de meias palavras. Ela como uma Amélia pós-moderna, entende, sem cobrar, entende mesmo, nem isso me suscita saudade, nem isso me derrete o coração, nem isso a torna inesquecível pela manhã e pelas noites insones, nem isso me enciuma os amigos, isso não a torna necessária. Viver com ela seria maravilhoso, talvez durasse para sempre, talvez fosse divertido, talvez fosse okey, okey e morno. Há culpa. Sou capaz de torná-la desejável numa caracterização desprovida de mentiras (isso dói),a indicaria a qualquer grande amigo, e preocuparia-me e de repente desse jeito ela ouvisse todas as almejadas perguntas de alguém que de fato a ama: eu, mas aí já não seria importante, e essa minha prova de amor seria falha. Por isso insisto, pra entender dessa coisa que alguns dizem que vem com a convivência, dessa coisa progressiva, crescente. Quero entender se é possível, só que é mentira, e isso, embora pareça, nem é uma prova de amor.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Napoleão, o trocador e o espaço

Deixa que a lua venha banhar meus olhos correndo a cidade quieta, que jeito pra aliviar a dor de ser eu, essa dor tão egoísta que só divido, com o casal que concebeu-me no encontro simples e infortúnio, pagarei com a dor noturna, que é a noite esquisita, de longe da janela, é sempre tão acesa e vívida me faz abrir os olhos, uma vez desgrudados, de perto, é quieta, sem pressa, com sombra. Portanto, eu nu, só de roupas e vivo de fome, viajo nesse ônibus apressado pra chegar a lugar algum, até cair em mim. Quão longe é o infinito? Poderiamos pegar a estrada que sai da Terra, que leva aos planetas, que não tem propósito, sem destino, vamos ser astronáutas! Nós todos! Nós e Napoleão (meu cachorro), nós e o motorista(e o trocador), e talvez eu, aquele cara sentado ali no ponto final. Que culpa é essa que carrego no negro dos olhos? É a noite? Só pode ser. E nem chove pra execrar essa tal dádiva, e torná-la turva, confundir a visão com a cabeça, deixar que a enchente nos torne a manchete do jornal de última hora “ônibus desaparece em enchente”, aqueles que ninguém lê, os que só os porteiros comentam, com as madames que nem ouvem quando já estão no elevador, a notícia que não subiu, porque flutua por aí, como o passarinho que vôa sem saber porquê, sempre ao primeiro raio clareante. Nunca vi pai de passarinho chorar. Foi difícil sair de casa, é mais sozinho que nunca. É mais sozinho que hoje. Mais sozinho que o espaço. É ter pra onde voltar adulto e sem graça, a volta pra Terra, embora melhor que o inferno, mas nunca céu, nem nunca espaço, só eu, o motorista, o trocador e depois do ponto final, tem sempre o Napoleão a destruir os móveis. Falta-me a fome, congelada no tapeware do último domingo na mamãe. Falta-me o ronco, que só vem depois do sono. Quase tudo falta, só não ser tão livre(no espaço).

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Chave

Como é doída a dor da insegurança
Quão fino é este nylon que me prende a lucidez
- Obrigada, não bebo!
Só sei dessa dislexia forjada
das flores plagiadas e de tudo.
Só estou segura quando,
enquanto escrevo ascende uma luz
e a caneta é como um lastro
Agora já não mais, vê?
Não posso ser clarividente
Por isso choro dentro da cela
E depois ponho uma roupa,
talvez linda
e porque sexta, aquém e apática
Saio de casa.

terça-feira, 10 de junho de 2008

poeminha

Às vezes me bate a bosta da impotência do homem médio.
Não é a falta de virilidade
nem de dinheiro no bolso,
mas a não fartura de idéias,
a falta de agonia com o prosaico,
a aceitação com suas divergências tendenciosas,
e porra,
que maré de porra nenhuma!
O que é mesmo isso de ser transcendental?
Que história é essa de ser genial?
Onde se encontram os grandes gênios da contemporaneidade?
E seriam eles gente boa?
(Acredito que não.)

A verdade que me martela, no entanto,
é esse prego rompendo o meu verso,
um martelar ensurdecedor
que me impede de desabrochar.
Que não me permite respirar a métrica interna
desse meu coração maluco por ele.
O que não me faz transcrever
o sentimento tão pouco redundante,
tão invulgar, tão móvel,
este sim, transcendental,
o qual minha mão tola rabisca
de forma pré-coloquial.

Por fim é inevitável que esse corpo
falso-magro,
me prenda em grilhões de homem médio
e se não posso me fazer necessária,
tento, malmente tento,
escrever.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Casório

No imaginário ainda cálido mora a divina moça que na espera de minha chegada enrubrecia, e nesta propriamente dita, emudecia, tão logo na partida, exaltava-se enraivecida certa de minha desatenção insutil, a desejar seu toque como tantos o fizeram, para mim seria a menina muda, a jovem introvertida, a nenhuma entre outras mil.
Só que esta em seus devaneios não sabe que habita os meus, que seu silêncio enche de mistério o ar que inunda meu corpo ainda curioso, pelo perfume do jardim de claros cabelos presos e a veste que encobre o cru inebriante da tal. Que viesse como fosse em sinfonia, ou só o vento, posto que o pulsante teria, tal qual o pensamento.
Pois com ela os dias não murcharão, as flores não inundarão, a chuva não esfriará, a cama que reluziu, o anel coberto de razão, que sorri ao entregar, pela última vez, sangrado este meu coração.

sábado, 31 de maio de 2008

Ventríloco

Se eu pudesse, mastigaria e te daria pra comer depois, o que vai te nutrir e te fazer crescer. Quando ando sentada nesta cadeira e te tenho em meu colo, meu coração vem calmo no peito. E até vir a cadeira de balanço e as pernas doerem já inchadas pelas andanças circulares, ter-lhe ao meu lado. Percebe que há movimento, na minha idade tal movimento é vida, na tua é ilusão. Fica aqui que é mais seguro. Só vá até onde não preciso dos óculos. Não me perca de vista. Se te deixo ir por descuido, me arrependo por cuidado. Quão emancipado és! Já podes andar com essas pernas brancas, marcando a areia, mas vou na frente, reforce meus passos, vem por aqui.
Espera um pouco, isso não combina, isso não te cai bem, todos verão, ninguém vai ver, esse não está bom, isso não é direito, não vai dar pé, não serve; são só sugestões, restritívas. Falo porque já sei. Que a sua queda me mata, que suas lágrimas em mim diluviam, que o seu fracasso em mim sangrou, que sua doença me deixa de cama, que os seus desamores me ensozinham, que o meu não te nega o pior. Porque és meu boneco, meu. E te moldo com esse amor que sei, podando pouco, os cabelos; e que tenta me explicar com o mesmo olhar curioso, medrosa de possibilidade, pois, não me permito aprender, então...Olha por essa fresta que te inauguro, antes tarde, o (teu) mundo perfeito.
E o boneco diz:
- Te amo.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Amor caduco

Já sei
Ele vem tal hora
Nem abro um sorriso
Talvez alguns, contando o que fiz no dia,
Só.

Feito chuchu e creme de milho
não tem muita graça
mas é quentinho e enche barriga
Traçamos planos
Sem propulsão.

Como o prédio de primeiro andar
Que sentados na varanda
de pé direito altíssimo
o bairro é frio e pra esquentar os pés
meias, nada mais.

Mas que cabeça a minha!
esqueci a colcha de retalhos
na casa da avó.
Eu sei como é
e dou um beijo de pena na careca dos velinhos.

Talvez não,
porque aos domingos não vejo netos
mas filmes
que poderiam ser todos meus
Alugo-os.

Lá dentro é bom
Fora, esperado
Chorei ontem pelo equilíbrio
Tenho um medo
e um irmão
tudo isso...

sábado, 24 de maio de 2008

De jogo

Sim, ele foi gravemente ferido. Um tiro no pé.
Quantos caminhos suntuosos e nãos poderia receber. Além das cantigas de amor de um trovador sem tristeza. Um equilibrista, de segurança invejável. Nenhuma variação na voz. Havia diferença clara entre grave e agudo. Dormia feito pedra. Quando acordava lavava o rosto, molhado e austero, seu próprio rei em cômodo com trono, nunca incomodado, nunca. Fácil ver-se refletido, fácil missão calculadamente cumprida. (Sem prepotência) julgava-se bom.
Que forte é aquele que caminha em nossa direção. Não sabiamos de onde vinha. Nem sabiamos porque vinha, ou sabíamos. Perguntamos-lhe as horas e sem olhar as respondeu. E isso não é, ninguém quis conferir. Por isso perdera o menino. "Como é que ele cresceu!" diz a velha com a mão em seu ombro e não nas bochechas. Não importa como; cresceu. Notava-se faz tempo.
Notável rapaz, que sabia até o que não sabia, e insistia mesmo sem saber. Até que nos meados parou num jogo. Um jogo desses qualquer. E o invicto resolve que merece um pouco da diversão boba, permite a alienação já constatada. Pára diante da adversária, vê toda a superfície. Não se perca no tabuleiro, pensou com os botões. Abre um sorriso e ganha. Mas não é só. O olho coçava dentro da armadura, uma coceira fraca, engraçada, mas coceira. Levantou, bem pouco a parte que protegia dos olhos a luz, e aí viu.
N'outra feita tinha tempo e pode parar, houve o mesmo.
Então de novo, um tempo curto que sobrava, viu-se ali em frente à ela, e porque não?
Nem era de azar, mas viciou-se, vinha não pelo gosto, nem pelo ócio, nem a alienação, nem as peças, nem o tempo que esquecera. Vício de vir.
Eis que um dia ao acordar demorou pra vestir a armadura. Quis parar num dia inteiro, mas a engrenagem não permitiu. A dúvida infema do encontro funcionava.
Foi. Logo no cumprimento lembrou a armadura esquecida. E foi jogando, ele falso temeroso, ela pronta para perder. Iguais os dois (mas ela ria da derrota esperada, e falava, e gritava, errava, rodopiava, como sempre).
Cansou, era massante demais. A vitória fácil, previsível. Lembrou-se da arma que trazia sempre consigo, e desta não esquecera. Houve tempo, era a vez dela jogar, enquanto ela coloria as peças e brincava com os cabelos, ele carregou a arma, pronto para matá-la, ia ser fácil, imperceptível, insignificante, ninguém lembraria mesmo daquela (nem as partidas). Pronto ia ser assim, a última rodada. Dedo no gatilho. Um suor escorrido. Nenhuma voz.
Ela joga. Ele viu. Viu que ela joga assim mesmo. Há um estouro, ele vence a partida.
No caminho de volta, há passos manchados ainda frescos.

domingo, 18 de maio de 2008

Alarme

O tempo feito um pêndulo
Segundos infinitos grudentos
Gruta em dia lindo
Eternamente fria sem remédio

E olha: sentei na cadeira dura
Recostei no sofá mole
Deitei no colchão grande
Cochilei no banco do carona
Morrendo nessa cadeira que gira

Estou perdido em tempo
A tempo
Há tempo?
(ou) Já é tarde
Não durmo

Não acordo
Não tento
Nem quero
Inerte choro
Inerte sorriso

(Toca o alarme, arregala, não... é só o relógio)

sábado, 17 de maio de 2008

O novo sommelier

A boca hidratada com a saliva de mel. Os lábios quentes velejando toda a face. Calmo, de leve, nem sem tempo não há pressa. Assim, com todo cuidado, e dedos de vento. Toma-me como um sopro de coração batendo (em francês).Numa taça ambígua frágil; na cidade luz pela metade porque prefiro ver no escuro. Por lá, há um entendido que, sem mais nem menos, vem e subjetiva tudo. E chega a sede irremediável. Até quando num desses amanhãs lhe provarei mais um pouco.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

"Apenas um rapaz Latino-Americano"

E tem logrado no vasto mundo da percepção. E apreciado a beleza medonha do ócio. E destilado seu vasto quoeficiente inteligentóide em gente que aquilo não vai entender jamais. Porque o que o lúcido tem é a liberdade de um mundo inteiro pelos lados, mas prefere o mochilão nas entranhas. Acampado num corpo sem maus-tratos e sem exageros. Os pés sujos no leçol limpo e desarrumado. E a cabeleira deitada na fronha quente pensante, só nas boas filosofias. "Faça isso!" Ele faz, ou não. Desobedece ao comum e vive nele sem reclamar. Camuflado como uma coruja na noite fria da serra. Poucos reconhecerão e, de certo, muitos lembrarão do menino, para sempre menino. Crescente como tudo que brilha ali em cima, para sempre também.
Viva o músico!

domingo, 11 de maio de 2008

Box

Num banheiro incomum há um abajur, provém a única luz do lugar.
Disso não há qualquer antecedente, nasceu ali.
O chão frio sustenta o casal nu. Sentados os dois. Com tudo escorrendo bem longe dali.
Os diálogos em versos pensados deslizando pelo mesmo chão, para morrerem sem gozar de existência.
Em caixa de vidro, a água quente que chove nas costas, mancha a dela de vermelho, a dele não se vê.
Há um abraço desconfortável, nos corpos feios e sujos.
Há um beijo fraco nos lábios secos.
Há línguas chulas nos céus grenás.
Ainda há tempo.
Até que nada disso importe, o vapor inale tudo o que sempre houve. E as lágrimas salguem o dilúvio do desquerer.
Até que não se veja nada além da caixa antes lisa e disso não há qualquer futuro pensável, nasceu ali.
Cabelos molhados, é tudo feio. Deixa estar o chão que não é mais frio.
Abraçados:
-Me abraça. (não se sabe quem disse)
Continua até toda a água acabar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Biografia do eu-lírico

Para ir daqui ali, flutuo.
Ás vezes penso que só esqueço quando já não me lembro, só que aí é rápido como pisar no chão, feito mola comprimida.
Tenho prazer em banho-maria, em doses tão mal divididas, chego a chorar pela felicidade, pelo calorzinho. Não, não tenho mais dúvidas de que esteja acelerado. Posso sentir. Atualmente aprendi a sentir sem saber, mesmo com a cabeça, a prática, a praxe...
Recompensa por uma única vez, em anos, eras.
Me jogo sem medo, de costas, e não grito, até chegar num céu de flocos espumados.
Se bem que ainda caio livre, e não me belisque!
Parece que estou de bem.