sábado, 24 de maio de 2008

De jogo

Sim, ele foi gravemente ferido. Um tiro no pé.
Quantos caminhos suntuosos e nãos poderia receber. Além das cantigas de amor de um trovador sem tristeza. Um equilibrista, de segurança invejável. Nenhuma variação na voz. Havia diferença clara entre grave e agudo. Dormia feito pedra. Quando acordava lavava o rosto, molhado e austero, seu próprio rei em cômodo com trono, nunca incomodado, nunca. Fácil ver-se refletido, fácil missão calculadamente cumprida. (Sem prepotência) julgava-se bom.
Que forte é aquele que caminha em nossa direção. Não sabiamos de onde vinha. Nem sabiamos porque vinha, ou sabíamos. Perguntamos-lhe as horas e sem olhar as respondeu. E isso não é, ninguém quis conferir. Por isso perdera o menino. "Como é que ele cresceu!" diz a velha com a mão em seu ombro e não nas bochechas. Não importa como; cresceu. Notava-se faz tempo.
Notável rapaz, que sabia até o que não sabia, e insistia mesmo sem saber. Até que nos meados parou num jogo. Um jogo desses qualquer. E o invicto resolve que merece um pouco da diversão boba, permite a alienação já constatada. Pára diante da adversária, vê toda a superfície. Não se perca no tabuleiro, pensou com os botões. Abre um sorriso e ganha. Mas não é só. O olho coçava dentro da armadura, uma coceira fraca, engraçada, mas coceira. Levantou, bem pouco a parte que protegia dos olhos a luz, e aí viu.
N'outra feita tinha tempo e pode parar, houve o mesmo.
Então de novo, um tempo curto que sobrava, viu-se ali em frente à ela, e porque não?
Nem era de azar, mas viciou-se, vinha não pelo gosto, nem pelo ócio, nem a alienação, nem as peças, nem o tempo que esquecera. Vício de vir.
Eis que um dia ao acordar demorou pra vestir a armadura. Quis parar num dia inteiro, mas a engrenagem não permitiu. A dúvida infema do encontro funcionava.
Foi. Logo no cumprimento lembrou a armadura esquecida. E foi jogando, ele falso temeroso, ela pronta para perder. Iguais os dois (mas ela ria da derrota esperada, e falava, e gritava, errava, rodopiava, como sempre).
Cansou, era massante demais. A vitória fácil, previsível. Lembrou-se da arma que trazia sempre consigo, e desta não esquecera. Houve tempo, era a vez dela jogar, enquanto ela coloria as peças e brincava com os cabelos, ele carregou a arma, pronto para matá-la, ia ser fácil, imperceptível, insignificante, ninguém lembraria mesmo daquela (nem as partidas). Pronto ia ser assim, a última rodada. Dedo no gatilho. Um suor escorrido. Nenhuma voz.
Ela joga. Ele viu. Viu que ela joga assim mesmo. Há um estouro, ele vence a partida.
No caminho de volta, há passos manchados ainda frescos.

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