terça-feira, 7 de agosto de 2007

A melhor noite não vivida

Ele abriu a porta olhou pra fora do quarto e não viu a mãe, talvez já estivesse deitada, já passava das nove e então percebeu que estava atrasado. Tomou um banho morno, a toalha de plástico florida delimitava o espaço necessário pra o corpo magro de um rapazote dessa idade. A pressa o faz escorregar e bater com o dedão no sanitário, ele então deixa as pegadas bicolores vai até o quarto da mãe e pede band-aids,que sonâmbula oferece um esparadrapo. Então ele volta correndo pro quarto desviando dos passos anteriores. Põe a melhor calça, uma camisa azul clara do ano passado e sapatos apertados, o pé reclama e ele ignora. Volta ao banheiro pisa no tapete encharcado por falta de espaço, e procura pela brilhantina. Pronto, está pronto. Faz um terceiro caminho, grita um boa noite qualquer e bate a porta.
A mãe trabalhava como garçonete de uma lanchonete próxima, o rapaz passa por lá. Recebe olhares de todas as mesas e elogios dos empregados conhecidos. Talvez só tenha parado ali, para ganhar essa aprovação. Isso infla seu ego. Sabia que não era rico, mas só por falta de dinheiro. Segundo sua mãe, Josh tinha classe, não era um pobre pobre,um pobre coitado, era somente pobre. Ele entende e caminha, está atrasado e sabe, mas não corre, nem anda depressa. Caminha.
Não passa um carro sequer, a calçada parece se alargar enquanto ele passa, e vai assim pé ante pé, sem pressa de chegar ao destino, assobiando o nanana final de "Hey Jude". Tudo pode esperar, porque agora era o momento, o único momento da noite no qual ele poderia ser o protagonista. E se tudo desse errado não faria a menor diferença. Os passados cinco minutos seriam os mais felizes de uma vida inteira. Pensando nisso surge um pré-sorriso, ele olha pra cima, há um céu sem estrelas e mesmo assim sorri, pensa em si mesmo, olha para os lados, vê que não é observado e pode gargalhar.
Acabou, sabe o endereço de cor. Trinta e cinco é aqui. Puxa o ar como quem se prepara pra passar muito tempo debaixo d’água e o solta vagarosamente e de com uma intensidade linear. A casa tem pontos de luz estratégicos e é branca por fora, ele pensa na dificuldade de se manter uma casa branca assim tão bem pintada. Abre o portão de ferro, olha pro jardim igualmente conservado, pensa no quanto sua mãe ficaria feliz com um chafariz daqueles em casa. Se impressiona até mesmo com as pedras que fazem um mosaico no chão que ele pisa,e se esforça pra andar na parte escura. Josh tem TOC, mas não faz a menor idéia do que seja isso.
Toca a campainha. O pai dela abre.
- Boa noite senhor Paul, vim buscar a Claire pro baile.
- Você é o tal Josh?
- Sou sim senhor.
- Queira entrar por favor.
Era isso que ele temia.
O tom de voz do pai. O sorrisinho falso da mãe dela e seu taier marrom. O sofá gigante. A cor bege das paredes. O lustre mal preso. A música ambiente. Tudo ali era clichê, tudo.
- Ela já está vindo. – disse a mulher movendo apenas os lábios. Imediatamente após a mulher testa o vinho branco e olha pro marido. Aliás, olha o perfil deste, que permanece imóvel olhando não se sabe se para o relógio ou para a janela que ficam na mesma direção. Josh percebe as mentiras da casa.
O som do salto alto no piso de madeira ecoa pela sala, cada passo de Claire faz com que o menino se arrepie. Ele esquece que está ali. Começa a fantasiar como a menina vai estar vestida. Será que vai usar aquele vestido branco que eu gosto, mas ela prefere o tal rosa. Não... ela não é de repetir roupa. O cabelo vai estar preso ou talvez solto, ela fica bem dos dois jeitos. Sente-se quente, finge um bocejo e sente a face enrubrecer. Ele pensa que gosto teriam os lábios da menina. O toque na pele macia. A temperatura da respiração. A contagem das sardas. O encontro de olhares.
Eis que ela aparece no segundo andar desce a escada, dá um beijo na mãe, entrega os braços ao pai, e Josh acha aquilo estranho se deixa mentir, então sem sequer olhá-lo, anda até o rapaz. Ficam paralelos e caminham assim até a porta, que é grande mas não o suficiente, então ele a deixa passar. Fecha os olhos e a porta, repete os movimentos anteriores à entrada na casa, porém com menos ênfase, e os dois como se fosse combinado dizem ao mesmo tempo:
-Oi.
Sorriem.
Josh acorda, abre a porta olha pra fora do quarto, já passa das nove , não vê a mãe. Dormiu demais, está atrasado. No banho sorri, sorri pois vai ter a melhor noite da sua vida.

2 comentários:

Unknown disse...

amigao...
arrazo...
amei....
:O
passada...

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.