E lá de longe todos os olhos sabiam do pedaço de pele tatuada que ela não queria transparecer. Via-se aquilo que ela esfregava a custo de saliva e lágrimas. Diziam que era feio o estofado e se arrependeria. Claro que se arrependeria de uma forma ou de outra, suas perfurações, suas entranhas, tudo impregnado d’uma tinta. Porque era assim mesmo que percebia Théo. Assim, como Chico disse que ficaria no corpo para dar coragem. Uma vez corajosa, de uma vez por todas resolveu-se com a navalha espirrar nos azulejos todos, sem, porém nem bem tentar, era o medo de outro eterno. Pois desde sempre o para sempre a atrapalhava e quando a alma já dizia nunca a boca calava de afagos. E os amigos já a convidavam contando mais um, ou desconvidavam mesmo, até que um dia sumiriam de tentar. Também quando começava “eu...”, ele vinha e “eu sei como é”, como se adiantasse, mesmo que soubesse. O problema eram as manchas, os poros. E Théo se achando brisa. Certa vez caiu da escada e ficou com a cabeça nos degraus, ele desceu esbaforido. Como é que soube que eu havia caído? Me ouviu? Ela quis cair quietinha, para poder cair, para poder temer, depois ouvir os músculos rangendo, o quente do olho, o chão e levantar-se, sobrevivida cheia de lindos roxos. Sim, lindos, porque seus e seus somente. Até chegar o Théo com gelo na mão para clareá-la de cuidados, alegando sua aparição como uma forma de conexão supranatural, depois de percebê-la sã, trocou sua apreensão por riso e mimos. “Não chore, estou aqui”. Ela chorava.
E, ás vezes, ligava cheio de declarações doloridas. “Eu volto logo, não se preocupe, a saudade me mata. Essas japonesas aqui são tão sem sal, gostaria que pudesse ter vindo para nos divertimos à custa dessa gente homogenia. Você teria adorado essas comidas minimalistas e os prédios em silêncio. Estou levando uma máquina nova, era surpresa, mas sabe que não consigo, é linda, vintage. E um bonsai lá pro estúdio, vai ficar bom na sua mesa, eles dizem que não dá trabalho cuidar, sabia? Tenho falado com o pessoal, por isso nem preciso das suas notícias mornas amor, as fofocas chegam cedo, ontem. Ontem ou amanhã? Fico confuso com esse fuso-horário, não durmo direito, quando chegar aí você vai abraçar um panda, gordo e com olheiras, te amo, acho que só você é meu descanso. Manda os amantes correrem que eu chego na segunda, um beijo querida.” Ou somente, “ Olá,essa é mesmo sua voz, que bom que esta viva, e minha, até.”
A mulher de Théo era perfeita em todas as suas arestas e contornos, com os cabelos dourados escondendo os ombros, as unhas e a boca pintadas de vermelho, e a pele branca branca branca, coberta com aquelas roupas que em qualquer outra seria descaso. Foi assim, ela tinha saído por que a tosse não parava, e ele voltava correndo fechando o zíper da calça jeans. Pronto, só isso. Aí ele dizia, que nada, não foi só isso. A gente se esbarrou nessa hora, e depois no final eu tava com a Lígia, que saiu pra comprar um chocolate sei lá, nesse meio tempo perguntei se ela tinha gostado do filme, ai ela com essa coisa blasé dela me disse não gostava de perder nenhuma parte de nada, nunca. “Eu era burra Théo, até hoje ele acha que tudo que eu dizia tinha poesia”, “Claro que tinha amor, e tem. Pobres de vocês que não tem uma mulher como a minha feita até de silêncios poéticos”.
Então ficaria assim, Théo e o casamento perfeito, Théo e sua grande história de amor, Théo e sua paixão irremediável. De uma coisa ela tinha certeza, o amor é mesmo singular. Para não dizer que não tentou, ela saiu uma vez com uma amiga da irmã, dois anos mais nova, enquanto Théo estava indo para a exposição de uma foto que ela tinha feito numa galeriazinha em Viena. “Não quero ir Théo, você sabe que tenho pavor de avião.” Então ele foi à Europa cheio de orgulho e um portfólio com os trabalhos da esposa mais talentosa do hemisfério Sul. Enquanto ela, acompanhada da coleguinha, tomava uns drinques coloridos numa dessas boates, que embora não fosse, ela sentia-se muito velha para freqüentar. Encontrou Pedro, antigo amigo de faculdade. Aceitou sua carona para casa, e ao chegar à porta do apartamento, ela disse que tinha alguém,não ali, mas na vida. Ele, mais óbvio do que mamão papaia disse que não era ciumento. Quando Théo voltou no dia seguinte pela manhã, do elevador já se ouvia, foi um sucesso, foi sucesso, sucessivamente. Ao entrar em casa, propriamente, ele vê deitado no sofá com a camisa meio aberta e um short seu, um sujeito de braços desenhados com um chapéu e sapatos de Chaplin jogados no chão. “Querida tem um desses moderninhos dormindo no meu sofá, do que se trata?”. Oi Théo, aquele é um antigo amigo da faculdade, dei um short seu pra ele dormir porque ele estava muito bêbado pra dirigir. Sabe do que ele tem cara? De que? De mamão, um cara de mamão, não é? Onde você o encontrou? Na Boate. E desde quando você gosta de boates? Desde nunca, não gosto. Vocês dormiram juntos? Que pergunta Théo, porque eu mandaria alguém dormir no sofá depois de uma foda? É... Não sei... Foi um sucesso amor, um sucesso!
Então resolveu que seria daquele jeito mesmo, aquele Théo e ela. Para conformar-se com aquela realidade grudada, ela resolveu engravidar, uma gravidez planejada claro, assim, o assunto não seria motivo de surpresa ao marido que poderia enfartar de felicidade. Mas ela esperava no filho um motivo de distração e até mesmo de divisão da atenção de Théo – logicamente, amante de crianças.
-Théo, teremos um filho.
E ele não disse nada, apenas trancou-se no banheiro e ao sair com o rosto inchado soluçou “meu grande amor”.
A gravidez mostrou-se tranqüila. No primeiro mês, Théo comprara uma lâmpada mágica e ela dizendo que ainda era cedo para brinquedos, mas segundo ele, este seria para ela, Théo realizaria todos os desejos da donzela mais bonita de toda Arábia. Sou brasileira.
O pai coruja preparava a mala para passar dois dias em Buenos Aires com a irmã da esposa, que ficara no seu lugar no estúdio, não na parte artística, mas na administrativa, e desta vez para Théo não embarcar sozinho ela o acompanharia representando sua mulher e parceira de trabalho, a irmã barriguda achou a idéia um barato e pela primeira vez em anos acompanhou o marido até o aeroporto para despedir-se.
-Veja lá se não morre de ciúmes meu bem, sua irmã é um perigo e magrinha assim.
- Tá certo Théo, Francis boa viagem, vê se me compra um Alfajor. Deu um beijo na testa dos dois e voltou para o táxi.
Durante os dois dias, ela tivera uma azia mortal e a diarista dizia que era normal, sinal que a criança vinha cabeluda. No banho ela sentiu um pouco de nojo ao lavar seu cabelo, pensando numa criança com longas madeixas imergindo por entre suas pernas. Ela às vezes tinha uns pensamentos assim sombrios, sobre diversas coisas. Sempre sonhava que ao atravessar a rua seria atropelada, ou que ao olhar pela janela seria decapitada, umas coisas bizarras que vinham no imaginário, quando acordada. Mas na noite do segundo dia, ela começou a preocupar-se com a irmã e Théo que não haviam chegado. Entre alguns pesadelos nos breves cochilos e telefonemas para caixas postais, ela foi até o quarto ainda vazio e no porta-retrato ao lado do berço havia uma foto de Théo e Francis, sua irmã, beijando a barriga com um sorriso desenhado de batom embaixo do umbigo estufado. Na foto, ela parecia distante, como sempre, num sorriso inteiro, com jeito de metade. Chorou. Porque se desaparecesse da foto, como gostaria no dado momento de não tê-la tirado, seu marido e sua irmã estariam se beijando. Seriam felizes os dois. Tão mais felizes que ela, porque naqueles olhos apertados havia uma alegria que ela nunca sentira e temia nunca sentir, os dois pareciam completos. E como eram bonitos, ela esquecera-se de como Théo era charmoso, de como seu corpo mesmo curvado e mesmo com aquela barriguinha avantajada dos homens com meia idade, Théo era lindo. E Francis, era um reflexo seu mais novo e sorridente, e ela sabia-se bonita.
Teriam os dois se apaixonado, estariam fazendo amor ao som de um tango antigo. Se for, tomara Deus que seja sem culpa, que se esqueçam de mim e da minha condição pouco sensual. Francis ficaria tão feliz, há anos procura alguém que acompanhe seu ritmo amoroso, ela é tão sentimental, dessas que precisa de flores e bombons, dessas super carinhosas, uma eterna romântica, minha pequena Francis que ventura seria encontrar um par como Théo, o encaixe perfeito, o encanto do mundo resumido em par. Que leves! Até eu suspiraria pelos dois. Que aproveitem a viagem então e que permaneçam quantos dias for necessário para amadurecer-lhes esse provável amor.
Voltou para cama e como só conseguia deitar-se de lado, assim ficou até os primeiros raios incomodarem a visão, amaldiçoando as palavras por ela ditas. Que abuso, os dois juntos, seria uma tamanha traição, deixando-a nesse estado, prestes a colocar uma criança no mundo. Uma mãe solteira, era isso que o gênio da lâmpada havia reservado para ela, seria essa a surpresa. Não, não seria possível suportar o vazio do apartamento, o vazio da licença maternidade, enquanto Francis, jovem e esbelta roubava literalmente seu lugar, daqui a pouco Théo a ensinaria a manusear a câmera e aí sim, terminaria emendando a licença com a aposentadoria por invalidez, se é que isso é possível.
Ligou a televisão. Desses jornais da manhã requentados, a notícia era a queda de um avião. A primeira coisa que fez foi ir ao banheiro vomitar. Não tinha vomitado nenhuma vez durante a gravidez, segundo Théo ela era uma fêmea forte, mas não, agora a tão almejada solidão a assombrava. Como seria viver sem tinta? Parecia que tudo que havia dentro queria sair, abraçou-se a barriga ninou-se. Não conseguiu pensar em nenhuma musica para cantar, então começou a inventar palavras numa melodia própria. Ouvia-se Esfera, Cor, Théo, meu mar, paz, minha cor, Francis, deus, de sozinho, entender, de novo. E ficou assim repetindo feito mantra.
O bebê chutou uma vez, duas, como quem diz, estou aqui. E depois vieram umas dores que ela entendeu por contração, dores muito fortes, a dor do mundo. Que só pode pegar uma duas mudas de roupa uma pra ela e uma pro filhote, enfiar dentro da bolsa e procurar o telefone do médico na agenda do celular chamando o primeiro táxi que passasse.
Vinha um de lá. Amarelo vivíssimo, a vida, uma esperança em cor mudada, e vinha rápido pronto, chegaria ao hospital num minuto. “Doutor Flávio sou eu N... Isso pelo visto não vai ser cesariana, vai nascer hoje, agora. Ah! Doutor, já estou a caminho sim, até logo”. Não. O motorista fez um sinal que estava cheio. “Não! Sou uma grávida! Tenho prioridade!” As lágrimas escorriam de desespero. Uma senhora parou para oferecer ajuda tentando acalmá-la. O mesmo táxi deu ré, nem bem a senhora foi abrir a porta de trás, esta se escancarou e lá do banco de trás com quatro olhos esbugalhados (re)encontrou o amor.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
domingo, 21 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Cimento
Começou assim com uma vontade de engelhar os dedos na terra, pra me sujar de uma cor borrada, deitada no chão seco de lágrimas. Sinto um vazio, ou aquela máquina do buraco negro, ou um falatório, uma grande coisa que não tenho medo. O fim do mundo já sou.
E não quero mais nada. Porque a porra do médio me estraga, me persegue, me ingrata e não mais me liberta. Essa iminência de fatos. Do imaginário, os doutores, as bailarinas, os poetas, as atrizes e os amores. Os meus amores não dão mais um pio. Veio um corvo e ficou parado não porque queria, mas porque quis. Então preparei minhas penas, enfeitei-me com flores, e voei lá no nunca. O doutor disse que foi falta de descanso, é que inflei muito para tão pouco tempo no poleiro, ai pronto... Bati no chão em desmaio. Agora eu nunca mais.
Não sei dizer o que é perder uma coisa que era dom. Não sei dizer uma coisa que era dom. Não dizer era dom. Não era dom. E de novo. Não. Umas coisas suprimidas, umas coisas assim sem liga, umas coisas burras, complexas. O que é que há comigo? A desculpa por existir agora é o tempo? Quando?
Da chaleira a água ferveu tanto que evaporou. Uso roupas leves. Não me assumi vapor ainda, eu não nasci vapor. Quero ser concreta enferrujada e imunda. Vapor não. No ar outro pretexto por estar misturada e insípida. Até terra ser. Não, terra não. Uma até lambida áspera no cimento.
E não quero mais nada. Porque a porra do médio me estraga, me persegue, me ingrata e não mais me liberta. Essa iminência de fatos. Do imaginário, os doutores, as bailarinas, os poetas, as atrizes e os amores. Os meus amores não dão mais um pio. Veio um corvo e ficou parado não porque queria, mas porque quis. Então preparei minhas penas, enfeitei-me com flores, e voei lá no nunca. O doutor disse que foi falta de descanso, é que inflei muito para tão pouco tempo no poleiro, ai pronto... Bati no chão em desmaio. Agora eu nunca mais.
Não sei dizer o que é perder uma coisa que era dom. Não sei dizer uma coisa que era dom. Não dizer era dom. Não era dom. E de novo. Não. Umas coisas suprimidas, umas coisas assim sem liga, umas coisas burras, complexas. O que é que há comigo? A desculpa por existir agora é o tempo? Quando?
Da chaleira a água ferveu tanto que evaporou. Uso roupas leves. Não me assumi vapor ainda, eu não nasci vapor. Quero ser concreta enferrujada e imunda. Vapor não. No ar outro pretexto por estar misturada e insípida. Até terra ser. Não, terra não. Uma até lambida áspera no cimento.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Ainda
Foi como olhar o passado do alto. O veludo das peles nossas já não eram quentinhos. As reminiscências por mim contadas me eram alheias. E as nossas saudades, hoje, me são saudosas. Parece uma grande ausência do grande amor. Posso lembrar à tarde, quando a chuva surpreendeu os panos leves da tua blusa e apertou-me o nó que não era gravata. Nem vermelha ficaste, pelo contrário teus olhos migraram aos meus implorando desejos, e eram eles tantos. Os primeiros beijos, os primeiros cantos. Era mesmo a idade acentuando o romance.
Com o tempo permitem-se os proibidos, o corpo dorme ao lado, querendo mesmo o sono, os beijos pouco molhados desmancham,tem fim, e os telefonemas, ah... os telefonemas antes tão teus, tão por mim esperados, hoje formais lembram telegramas, também nosso sexo as sextas. Por isso quando me vieram perguntar, titubeei no porquê. Sem saber de fato, o motivo da incerteza, a resposta agora me é cristalina. Eu entendo o nosso amor. É isso. Não é a frase apaixonada, do amor singular, um quase enigma que os donos, e apenas eles compreendem, não. Para o nosso, tem tese e tudo, tem as fotos, a matemática. O problema dele é a razão. Eu e você perdemos a paixão por aí. Não é um ritual, não é uma bula, não é chato, não é fácil, não é vazio, é só o tempo, é só saber aonde vai dar. Ai o “mas porque você se apaixonou por ela, sabe, num primeiro momento, por quê?”, ai isso fica assim... Tristonho, antigo. Tento aqui feito algum romântico ficar recuperando aquelas nossas coisas. Fico aqui contando as nossas coisas para pessoas ou coisas, até as nossas coisinhas eu contei, arrancando-lhes risadas, não era aquela tua, embora você risse também. Eu e meu papo de aleijado. Queria que nosso amor ainda pudesse caminhar.
Será que eles entendem? Será que tu me entendes, ou ainda me espera as seis?
Do restaurante até a cama, só um casal, depois quieto, eu te amo. Embora ainda.
Com o tempo permitem-se os proibidos, o corpo dorme ao lado, querendo mesmo o sono, os beijos pouco molhados desmancham,tem fim, e os telefonemas, ah... os telefonemas antes tão teus, tão por mim esperados, hoje formais lembram telegramas, também nosso sexo as sextas. Por isso quando me vieram perguntar, titubeei no porquê. Sem saber de fato, o motivo da incerteza, a resposta agora me é cristalina. Eu entendo o nosso amor. É isso. Não é a frase apaixonada, do amor singular, um quase enigma que os donos, e apenas eles compreendem, não. Para o nosso, tem tese e tudo, tem as fotos, a matemática. O problema dele é a razão. Eu e você perdemos a paixão por aí. Não é um ritual, não é uma bula, não é chato, não é fácil, não é vazio, é só o tempo, é só saber aonde vai dar. Ai o “mas porque você se apaixonou por ela, sabe, num primeiro momento, por quê?”, ai isso fica assim... Tristonho, antigo. Tento aqui feito algum romântico ficar recuperando aquelas nossas coisas. Fico aqui contando as nossas coisas para pessoas ou coisas, até as nossas coisinhas eu contei, arrancando-lhes risadas, não era aquela tua, embora você risse também. Eu e meu papo de aleijado. Queria que nosso amor ainda pudesse caminhar.
Será que eles entendem? Será que tu me entendes, ou ainda me espera as seis?
Do restaurante até a cama, só um casal, depois quieto, eu te amo. Embora ainda.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Vale o quanto pesa
Na coreografia de andar até ali não me agüento. O que não é corpo se diz alma e procura entornar, pra cima, no longe. Os ouvidos estão sensíveis às vanguardas que hão por vir, mas a boca cala. E pior, pelo que se diz virtude, a mão repete. Logo eu, que aprendi com os pés no fundo, nem sei por que agora o chão arde. As mesmas cavidades, os mesmos pés, os mesmos pais. E, ainda da maçã nem a lagarta, tampouco o bicho que dela vira. Não. Talvez seja o defeitozinho na casca, que acaba indo para o mesmo saco por um e noventa e nove. A quase extinta e inútil moeda de um centavo, que inveja.
sábado, 6 de dezembro de 2008
Umbigo
Nem se quisesse existiria, não é ficcional porque não pode ser. Tenho uma ânsia de arte hoje. Não só hoje claro, mas é hoje que grita. O falatório em primeira pessoa nos espelhos deixa de ser um hábito, para ser entrevista. A melhor entrevista não televisionada aconteceu hoje, ninguém piscou, nem fez xixi, nem largou de mão, eu poderia ouvir os telefones amigos tocando de orgulho “Olha só pra ela”. Diriam que estive linda, e que pude discorrer sobre todos os assuntos em pauta, teria me saído muito bem numa mesa redonda, não qualquer, uma com meus grandes ídolos, pessoas preenchidas de baunilha, pessoas que, dessa vez, não me acarretaram nenhum rubor, pelo contrario apaixonaram-se. Abriram suas casas, abriram suas Urcas, ofereceram-me uvas sem caroço, deitamo-nos em tapetes, e juntos de olhos fechados pensamos o universo. Descobrimos o céu. Alguns choraram, outros riram, uns cantaram, outros escreveram, eu só sujei os cotovelos pendendo a cabeça pra trás, os fios no chão feito balanço de rede, pensei baixinho um pensamento raso, desses feijão com arroz. A barriga roncava, não é coisa pouca. Pensei por ver. Houve então um tipo de osmose conjunta, uma sinfonia de morcegos, que toda a gente que ali estava, que todo o então mundo sentiu. Como a letra de uma canção antiga que só depois que o canto cansa se descobre o que diz. É feito a repaixão. O fim do coma. Adoçante de solidão. Redondo universo. Meu umbigo.
Sentimos por completo, eu e meus heróis, a ventura de sermos únicos.
Sentimos por completo, eu e meus heróis, a ventura de sermos únicos.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Por dentro do meu gesso os poros claustrofóbicos desfuncionam. Não é a sensação de completo, nem de ápice. É uma oca e gorda. Para deixarem de entender. Para deixarem a secretária eletrônica, ouvir tua voz ecoada vazia. Pra sentir uma vontade que não me perfura. Um poder-ser aprendiz. Tudo está tão completo de tudo, nem pressinto lágrimas. O beco está lotado de pisca-piscas, tanto, que nele só cabemos, eu e o quentinho das luzes aquecendo a capa, seria verão. Se da mente esgotada brotam imagens, as gero desabafadas, lustrosas, vãs. A burrice desconhece o medo. Eu sou a sombra sem ême.
Os meninos tão completos apertam os botões coloridos do controle da tela, tudo em volta a ela atenta, tudo em volta de espectadores e eu. Que os olho aos berros, olhando a dança dos corpos comprimidos no sofá velho. Como quando o filme esbraveja e depois só imagem e silêncio, se possível os assistiria num filme mudo. E alugaria sempre, bobeasse o compraria. E boquiaberta como fiquei, sempre novamente. Eles, meu videogame.
Outro dia, não me preparei nem nada para ver a velha assim no metrô. É chata, a velha vaga no vagão. Sem ser ambíguo porque estava lotado. Ao lado dela, não lembro se vi gente, mas devo ter visto. A velha ao invés de ser feia ou linda era gente, ela ao invés de ser moça ou velha era gente, também ao invés de ser feliz ou triste. A quantidade de mundo que por ali passou nem desconfiou, não parou pra ver. Só eu, novamente, alugaria este filme. Chega a ser engraçada a velha de rosto em moldura, não muda. Ela, uma velha, imagem.
Nesse, a parede me impedia de ver tudo. Metade da tela em branco e a outra em flash, era a luz da Xerox aberta, com seu condutor e três ávidos, uma gorda, uma outra e um amigo. Falavam de tudo que possa não interessar. O homem ás vezes clareado, tomou vacina de sorriso, abrir a boca só para o troco. No filme, a luz do teto estaria apagada, para ser pisca-pisca e sentir-me em casa. Esse eu talvez só alugasse. Eles, umas cópias.
E só.
Os meninos tão completos apertam os botões coloridos do controle da tela, tudo em volta a ela atenta, tudo em volta de espectadores e eu. Que os olho aos berros, olhando a dança dos corpos comprimidos no sofá velho. Como quando o filme esbraveja e depois só imagem e silêncio, se possível os assistiria num filme mudo. E alugaria sempre, bobeasse o compraria. E boquiaberta como fiquei, sempre novamente. Eles, meu videogame.
Outro dia, não me preparei nem nada para ver a velha assim no metrô. É chata, a velha vaga no vagão. Sem ser ambíguo porque estava lotado. Ao lado dela, não lembro se vi gente, mas devo ter visto. A velha ao invés de ser feia ou linda era gente, ela ao invés de ser moça ou velha era gente, também ao invés de ser feliz ou triste. A quantidade de mundo que por ali passou nem desconfiou, não parou pra ver. Só eu, novamente, alugaria este filme. Chega a ser engraçada a velha de rosto em moldura, não muda. Ela, uma velha, imagem.
Nesse, a parede me impedia de ver tudo. Metade da tela em branco e a outra em flash, era a luz da Xerox aberta, com seu condutor e três ávidos, uma gorda, uma outra e um amigo. Falavam de tudo que possa não interessar. O homem ás vezes clareado, tomou vacina de sorriso, abrir a boca só para o troco. No filme, a luz do teto estaria apagada, para ser pisca-pisca e sentir-me em casa. Esse eu talvez só alugasse. Eles, umas cópias.
E só.
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