quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Luz de emergência

É o depois do branco quando ligo pro que me cativa um pouco. É a miséria de um colorido. Da pouca austeridade, que é o que menos tenho sem saber muito o que é. É como se acabasse um filme ruim, o entendesse ruim, mas triste e porque triste úmido. Na verdade, o branco é o clarão de fora, que faz feito nas máquinas fotográficas analógicas – eu não sei se é assim que se chamam, mas fiz a analogia de relógios – nelas a luz entra pra refletir, essa coisa da física que não entendo muito bem, só sei da existência. A física minha quer estar junto, mas isso é coisa outra.
Pois quando clareia fora, parece que clareia dentro. E quando escurece fora, dentro é a mesma coisa. Pequenino, mas assim.
Hoje faltou luz na casa, mas ainda era tardinha e as janelas arroseavam o sol indo embora nas paredes. Essa iminência de penumbra, eu concordo, deixa o ser humano à sentimento. O escuro certo dá medo, é irremediável a morte do dia, isso sempre, mas na falta de luz piora. Piora porque dá pra ouvir o quietar do tempo, escuta-se o ócio, o murchar das coisas, o silêncio em preto.
E eu não quero. Porque em minha alma existe plena e acompanhada uma atenção a todas as coisas. Importa que eu não apenas sinta, mas veja todas as coisas que me envolvem e acarinham. Apreço pelo macio da cadeira, do algodão, a textura antiga do livro, o liso dos cabelos, uns que o corpo supostamente decorou, mas de olhos fechados acentua. Parece incrível mas só eu quero mandar nos sentidos, sou demasiadamente humana para deixar que um fio quebrado, uma chuva forte ou qualquer acaso torpe me diga quando sentir muito. No beijo sim, no vento forte. Eu vou dizer quando. O fechar dos olhos é escurecer de fora, é morar só em si. Já me disseram que pisco muito.
Faltar luz não. Quem disse que estou preparada pra mim mesma? Melhor, quem está? Surpreender-se com o alheio é obtuso suficiente, agora consigo mesmo é foda...
Mas bem, continuo. Ainda não é noite. Não uso óculos. Vou cozinhando meu âmago para um existencialismo barato, que sei estar por vir.
Até que, me trazem uma lâmpada. Uma luz de emergência. O titulo parece tão óbvio agora.
Posso portanto, apenas continuar minha leitura de um romance factual que não suscita nada a ninguém, a não ser inveja do romance dos protagonistas, um filme úmido.
Pousa no branco um mosquito, sua sombra interrompe minhas letras, num trajeto não linha. Bato a mão no bicho, e prossigo.
Não. Ao vê-lo caminhar capenga, percebo que arranquei-lhe uma das asas, ele caminha em círculos, depois em ziguezague, e vai ralentando, ralentando , até não poder mais.
Choro, eu nunca quis lhe fazer mal. Me arrependi. Quero pedir desculpas, remediá-lo, desler a droga do livro, chorar mais, reavivá-lo, permitir que voe por ali seu vôo silencioso, seu bater de asas fraquinho, num corpinho tão frágil que nem mexe pra respirar, que vai esvaindo de vida sem dar um pio, dar notícia, sem dizer ao que veio e apaga só porque pára pra sumir junto a poeira.

Minha mãe passa pergunta o que houve, se é sobre o livro, e eu digo que não, matei um bichinho, ela diz que bichinho, eu digo um desses que voam, ela diz um grande, eu digo não pequenininho, ela diz ah e sai.
Pra mim, há sempre a surpresa do escuro aqui.

3 comentários:

Unknown disse...

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Nina Monteiro disse...

eu te amo te amo te amo!
meu, como amo o que vc escreve!!!

Euro Azevêdo disse...

Eu sou preguiçoso, um pouco; tem textos seus que não leio porque grandes. Mas, passados uns dias, quando leio, no meio do texto já tô arrependido, maldizendo a preguiça.