domingo, 13 de janeiro de 2008

Bloqueado

Não fosse por isso não estaria aqui, andando pra lá e pra cá, inquieto. E é tudo culpa minha. Pego um bloco de notas, escrevo um bloco de palavras num bloco de desenho, num bloco de mosaicos, dentro do bloco de mente. Cabeça dura é isso que sou. Caso quisesse, jamais estaria por aqui, a esperar a visão dela absurdamente deslumbrante descendo do ônibus, para quebrar tudo que há de mais prosaico no facteum. Mas não, não sei se é aqui que vai descer, não sei qual ônibus toma, não sei qual é o ponto. Mas o ponto é que, espero por aqui, com a mochila cheia de blocos de esperança. Não fosse minha acidez, a teria, de certo que a teria, ou não, ela poderia odiar-me agora se soubesse da verdade, poderia desejar não se surpreender com minha presença no horário determinado pelo acaso, no destino determinado pelo mesmo. Ah se ela soubesse... Graças a minha acidez. Graças aos nãos, invés dos almejados antônimos; Salve a incerteza amigos! Salve o motor da humanidade! Salve o motor dos apaixonados! Salve minha acidez, que só não me poupou tempo, e este tenho de sobra, pois sou jovem ainda posso cometer loucuras, mesmo que prosaicas, por amor. E a amo, de certo que a amo!
Não fosse minha miopia, já teria visto a combinação dos números do ônibus que transporta tal importância dentro de sua frieza desgovernada. Os números da sorte grande. Já não quero ganhar na loto, também por não jogar. Hoje não. Hoje não vou ter azar. Jogo de sorte o que eles dizem, apenas e não de azar.
A cada metro por segundo ou medida que o valha, meu interior se contrai, parece secar. A impressão de que toda a força, coragem e segurança, vão se dissipando através de meus micro-arrepios e dão lugar apenas a covardia. Desinflo. Já nem sei mais o que rabisco no bloco, já não sei mais transformar hipocrisia em verbo, nem sei mais nada.

O bloco cai no chão, me abaixo. Preciso me focar nisso, essa ação é mais importante que qualquer outra coisa. Meu bloco de notas, meu precioso artefato para criação, desamparado, clamando por atenção no cimento escuro da tal rua. Abaixo-me. heroicamente resgatar-lhe-ei digo.
Então ela desce do ônibus. E me vê assim, de cócoras por um bloquinho idiota.
Levanto-me. Inflo, com minha armadura de caos. E em tom de desprezo digo, e apenas uma sobrancelha levantada digo:

- Você por aqui?

Como quem se desculpa, ela diz que mora por ali perto, e passa.

Ácido, um bloco de homem ácido sou.