domingo, 19 de outubro de 2008
De mostarda à cinza
A: Oi
B: Diga-me.
A: Como ta tudo aí?
B: Cinza e ai?
A: Também
B: Deixa-me adivinhar... Você ta com as pantufas?
A: e um blusão preto.
B: To com frio.
A: Se cobre com almofada.
B: To ocupado.
A: domingo?
B: Não... to fazendo um chá
A: Que viadinho!
B: Me ligou pra quê?
A: Nada
B: To ocupado, depois te ligo.
A: Você nunca liga depois
B: É mesmo. Desculpa.
A: Tá. Não quero desligar.
B: E se o apartamento pegar fogo? Você vai ser a culpada sabia?
A: Mas você não vai morrer. Você mora no primeiro andar é só pular pela janela.
B: Redundante. Mas ai eu teria que desligar, e você não quer, e eu sou solicito.
A: Muitíssimo. Você pode virar o duas caras.
B: Não gosto de quadrinhos. Você sabe.
A: Sei.
Ele estica a mão e acende um cigarro.
A: Você é multifuncional ta vendo só? Jamais queimaria.
B: Como sabe que eu acendi cigarro?
A: Vodu.
B: Magia negra.
A: Macumba.
B: Perdi!
A: Nossa que burro, dá zero pra ele!
B: Ontem terminou de ver o filme?
A: Sim. O Bergman consegue ser mais chato que domingo.
B: Só viste um?
A: Não, depois vi O Homem da máscara de ferro.
B: Puta clássico meu! Depois que desligamos ontem bebi pra caralio e vi Taxi.
A: Beber uísque no sábado solitário, bonito. E Scorsese é ótimo.
B: Não... É aquele da Gisele Bündchen.
A: Puta que pariu.
B: É.
B: Tenho que comprar um telefone sem fio.
A: To gastando rios de telefone com você.
B: Adoro gastar rios.
A: Mares
B: Lagoas.
A: Chuva.
B: Perai...
A: ô não vale! Perdeu!
B: Oceano.
A: Cachoeira
B: Merda! Você nunca admite a perda, né?
A: Com você não, sou melhor que você.
B: Tá, então vou lá ver meu chá.
Ela senta no chão, no carpete, sozinha, pois tem alergia a pelo de gato, e cachorros babam.
A: Quero ir aí.
B: Quer trepar?
A: Porra, porque você é sempre casual, sua casualidade me irrita.
B: Você é melhor que eu.
A: Eu sei disso, e que se foda.
Silêncio no frio de meio minuto.
B: Sabe o que é nojento?
A: Quê?
B: Uns bichos que ficam rastejando, tinha um no banheiro.
A: E eu?
B: Você o que?
A: Eu pareço uma minhoca pra você? Por você?
B: Cara não fala merda, que frase ridícula.
A: Eu acho que você sabe que sim.
B: Cara ta vendo só? Perdeu o lirismo da conversa, ficou chata.
A: Como assim perdeu o lirismo? Porra, perdeu o lirismo quando você falou trepar.
B: Mulherzinha você einh?
A: Mulherzinha teu cú.
A: Perai, tão me ligando no celular.
Enquanto isso, ele levanta, desliga o fogo. Prepara o chá numa xícara sépia. Abre o armário. Não tem torradas, nem biscoito maisena. Só Gim. Gim então. E volta à sala. A sala parece mais cheia. Mais mostarda que nunca. “Porque tem visita”. Puxou a mesa pra perto. Sentou. Abriu a garrafa. Encheu o copo. Cheirou o chá. Cobriu-se de almofadas. Por fim, telefone.
B: Pronto!
A: Pronto?
B: Parece mais cheio com você aqui. Quem era?
A: O que ta bebendo?
B: Chá e Gim quer?
A: São seus amigos Japoneses?
B: Não o apelido das minhas bolas, nossa suas piadas são péssimas!
A: Sim, porque as suas são boas.
B: Um metro e meio de pura ironia.
A: Deixa de ser babaca. To de saída.
B: Não quero que venha hoje, sério, desculpa, mas é que to muito em mim.
A: Ta muito em si? Okey, eu ia sair com a Thaty, vamos tomar um vinho aqui na esquina.
B: Sério? Vou também.
A: Você é afim da Thaty né?
B: Tá louca?
A: Não quero que você vá!
B: Meu, eu não to afim da Thaty!
A: Ta bom.
B: Já estão indo?
A: Não.
B: Me liga quando tiver saindo?
A: Eu já to contigo no telefone, vou é desligar.
B: Então vou trocar de roupa. Você vai de blusão?
A: Vou, e você não.
B: Não, acho péssimo sair de blusão.
A: Não vai! Vou me encontrar com o Caio, pronto. Caralio que saco!
(B: Piranha! Sua filha da puta, você não um pingo de vergonha na cara, eu devia ir lá atrapalhar sua foda. Sempre que tá frio você quer um corpo. Coitado do cara, não sabe nem o que ta comendo. Pelo preço de um vinho merda. Você é melhor que eu? Há é melhor que eu sim. Você nunca mais vai me ter, isso sim. Não quero mais perder meu tempo nessas ligações ridículas. Burra, Vadia, Gorda, Filha da puta, Escrota... E a lista não pára.)
(A: Odeio a porra do Caio, você sabe, queria ir prai. Quero você-domingo. Quero você-segunda. Eu quero até você-sexta-feira-ànoite-dispensando-programas-irrecusáveis. Eu quero você. E você só você-você. Burro! Eu poderia te amar.)
B: Calma! Era só você ter me dito antes né? E olha vai sem blusão, porque é brochante, deveras.
A: Pode deixar! Quando voltar te ligo!
A: Aloooou? Quando voltar te ligo, okey?
A: Ei morreu? Vou te ligar na volta!
B: Tá. Liga. Beijo.
A: Queijo.
A sala, de mostarda à cinza.
terça-feira, 14 de outubro de 2008
Bom inferno astral
domingo, 12 de outubro de 2008
Dois pra lá, dois pra cá
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Insisto
Com a aflição de querer ser boa.
E sem olhar pro céu já saber a soma
Sem ter pretensão, entender-se feia
Sem ter medo, mesmo mentindo, por ser só coração
Ir andando andando andando, sem pressa, em multidão.
Empassarinhar no colo de mãe
Voar bela, voar simples.
Conquistá-los todos, peneirá-los todos
Cavar buraco em chão, em gente, em nada
Acal.mar a correnteza das veias em versos.
Então sentada.
Rasgar.
E ter tendinite nas mãos por descanso aos pés
Pois desiste.
Rasgar e amassar.
Olhar pra trás, muito. Dentro
Ver o mundo
Bola de papéis
(Todos seus).
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Confesso
Quanta ousadia essa coisa de só querer bem. Se ainda atenuasse a estupidez do telefonema último (expressão feia dita, e feia feita). Não. Não há pleonasmos para o fim. É chão e pronto.
Ainda que alguns tentem exigir de você o amor-próprio, esse antibiótico da razão. E pra quê? Como se não houvesse beleza na dor.
Até rasgar a cabeça o pensamento lotado. Até estuporar a raiva no espelho. Até secar feito lagartixa na cama encharcada. Para pisar na rua só. Só pisar em todas as ruas. Soubesse quão difícil foi acreditar na fatia do eu que um dia tive. Quando fui tão toda. Agora eu era nada.
Enquanto minha coragem, feito um casaco usado, com pena de jogar fora, ficou guardada no teu armário. Faz frio, meu bem, é inverno aqui fora.
Depois tem saudade, como a saudade é orgulhosa. A saudade é nublada pra quem sente. Não é sépia, é cinza. Vez por outra se esquece de durar. São lapsos. É burra. Como é burro não te ter saudade. Como é burro um você pretérito. Eu te penso, ás vezes.
Hoje eu sorri. Sorri depois que te vi desde a ultima vez que te ouvi sem depois.
Você continua; persiste no seu ritmo que não ralentei. Porque é isso que o amor faz, faz ralentar, demorar, dá pano pra manga.
E Eu não. Terminei. Cheguei. Sorri te rever. Senti-me oca. Oca bom. Analfabeta de amor de novo. Senti-me pronta, pra quê não sei. Mas pronta.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Sentido
Nas mucosas impregna
Um quê de coisa escondida
Quê de coisa sagrada
Sob vertigem de um homem púbere
Nas tramas das camas vividas
Há tanto
Quanto a minha flor da pele escarrada na tua avidez
Quanto no morno da saliva arrepiando quase as coxas
Quanto no prazer liquefaça-te quase nada,
senão relógio
Então segue com tua cara limpa
A escritura do meu corpo
O braile das digitais
A febre da minha saudade
Que penso em ti ausente
Depois ligações fedendo a outros corpos
Trazendo na voz do novo encontro
À câimbra emudecida aos poros
Quer teu eu embora incerto
De novo em mim
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Uma noite
Era tão noite que o relógio parecia à tardinha. Mesmo aquele nervoso dos insones já havia passado. As preocupações burras das horas não dormidas e da alvorada próxima já não lhe preenchiam as idéias. Levantou-se da cama inútil e foi ate a janela acender um cigarro. A fumaça por ela produzida não subia mais que ali o quarto andar. O universo é um Deus intocável, um que contempla. E ela cética, não se rendia a enigmas sutis. Inclusive, achava ruim admitir que se sentia realmente especial só por reconhecê-los. Por isso seguia prosaica uma vida de escritório, embora não trabalhasse mais num. Mas não era o desemprego que a perturbava aquela noite.
Era uma saudade de alguma coisa. Era o cheiro da avó quentinha. A nostalgia do enterro do passarinho no quintal. O balanço na árvore. O gosto de gelatina de framboesa. As cento e vinte e duas conchas ou brancas ou cor da pele do verão em Santos. Os primos. O bolo de fubá. A Dona Elza. As fitas de cetim rosa. A geladeira azul piscina; da sua, agora, ela tira um pedaço de gorgonzola e come cheio de lágrimas. Ser adulto fede.
Isso não é hora para telefonemas. Não que fosse educadíssima, conhecia por alto algumas normas básicas de convivência social. Sentou-se ao lado do telefone. Tirava-o do gancho, escutava o som continuo, tinha linha estava funcionando. De novo, ainda funciona. Mais uma vez, perfeito. Acendeu outro cigarro na janela, e agora soluçava ao universo. Tinham nomes, todas aquelas estrelas. Resolveu discar.
-Alô? Alô?
“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”
Desligou. Respirou fundo, por duas ou três vezes. Secou as lágrimas. Enrolou os cabelos num coque preso por um lápis. Ligou novamente para escutar a gravação.
- Rodrigo, sou eu. Você não deve estar acordado. Você com certeza não esta acordado. Como esta a Mel? Os filhotes venderam todos? Encontrei sua mãe semana passada no mercado, ela esta bem, não? Ela disse se me viu? É que eu estava com pressa, não pude parar pra falar. Enfim, ela nunca gostou mesmo de mim. Ela me evita agora. A Brigite me chamou pra ir a Paris, ela trocou de apartamento, quer minha opinião com os móveis. Eu disse que estava com fotofobia pra Paris. Se der me liga, um beijo.
“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”
- Rodrigo, eu não estava pronta. O médico tinha dito que era só embrião. Ele deu uma explicação convincente, eu não to maluca. Disse que o cérebro ainda não estava formado que não havia consciência. Desculpa. Eu não consigo. Errei, sou culpada. Já não durmo. Não sei mais escrever. Ta tão escuro. Não me mate, se há amor, não mate. Sou ruim, sou má, você não. Me ajuda. Não sei. Me desculpa.
“Oi, sou eu, Rodrigo, mas não estou, ou não to podendo atender então, se quiser deixa um recado, se não quiser tchau, se quiser tchau também. Abraço”
-Vá até a janela Rodrigo. Faça isso. Vê bem como as estrelas morrem. Corre até a janela pra ver. A gente nem sabe o nome delas. A gente nem liga quando já é dia. Me enoiteça Rodrigo. Me enoiteça de novo. E olhe pra baixo no teu céu se não, outra estrela se apaga. Te amo.
O interfone do primeiro andar toca, e é atendido quase que de imediato. “Oi seu Rodrigo, bom dia, desculpe incomodar o senhor assim cedo, mas é que a dona Cristina do décimo andar ta querendo sair com o carro da vaga e tem um outro carro aqui atrapalhando, aí eu fui lá ver era a Dona Clarisse que tava parada lá dentro dormindo um sono de pedra, ai eu to meio sem jeito né... ai to avisando o senhor... vai que o senhor que é esposo consegue avivar a dona.”