terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Atos

-Que tipo de homem você é? Einh? Me diz... Eu já conheço a sua estirpe. Você não fala, você traga. Acha o quê? Que eu sou idiota que não vejo as canalhices que você faz? Seu mau-caráter! Palhaço, mas saiba que agora o seu público acabou. Não vai existir, mas a mulher que ia te ver, a que pagava o ingresso mais caro. Não vai, acabou já chega dessa palhaçada. O pior cego é aquele que não vê? Pois eu vejo, só você mesmo, seu míope mental pra achar que eu não perceberia. Bem debaixo do meu nariz, e por quê? Um rabo de saia, uma noite?
Há quanto tempo se conhecem? Quem é a vagabunda? Eu? Você acha que eu vou ficar ligando pra essa gentinha que você se relaciona, no mínimo é uma piranha, uma vagabunda. Olha essas camisas! Sente esse cheiro, cheiro de perfume barato (no momento ela lambe o colarinho da camisa social branca). Canalha!
Não me olha assim! Não adianta nada você implorar, tantos anos, tantos. O que houve conosco? Eu não sou suficiente? Você não me deseja mais? Não sou mais doce, perdi o mel? Não quer mais meu corpo? (nesse momento ela tira a roupa, e vai andando para a cama de casal, nua, os seios caídos, barriga e pernas flácidas, vulva encoberta).
Odeio você que não me deseja! Te odeio! Nunca fui tão humilhada em toda minha vida. Toma esses óculos, toma esses remédios, toma essas blusas, toma esse batom, esse bilhete, toma esse perfume, toma suas evidências. Eu odeio tudo que tem seu vestígio. Seu rastro, seu veneno. Seu verme! Você fede, seu sexo fede, seu imundo. Eu tive que o aturar, fui eu e não ela, quem o teve sem querer, quem se deu, quem se doou. Quem cuidou de você. Mal agradecido. Toma essa porra de lanche. (nesse momento ela vai até a cozinha, pega a bandeja com suco de amora, pães de forma torrados, com manteiga já derretida, volta pro quarto e joga em cima da cama, nesta há amora e vidros, e sangue, e manteiga, e pão murcho, e lençóis).
Por quê? Saia já daqui! Sai da minha vida. Pouco importa se o apartamento é da sua mãe! Você me deve isso, um lar. Coisa que de você eu nunca tive.

(Nesse momento um homem magro abre a porta do quarto, e vê uma mulher nua, com olhos trêmulos, sangue nas pernas, mas ele não entende a cor daquele sangue, a boca seca dizendo coisas, que ele antes tentava entender do elevador e agora continua tentando.)

(Quando ela o vê diminui o tom de voz, veste o lençol, joga tudo pra fora da cama, abre espaço e estende os braços...)

(Então ele vê a mulher com os braços estendidos, e pensa que a ama. Mesmo feia, mesmo suja, mesmo outra, mesmo sua.)

(Ela o percebe)

(Ele senta ao seu lado, uns cacos o machucam, ele não tira. Tira o travesseiro ao lado. A mulher dorme no baixo. Ele toca seu ombro)

(Ela usa o travesseiro, pra ficar mais perto, apenas, e pede “deita”.)

(Ele dorme feito pedra, cansado; de tanto trabalho, e horas extras, pessoas extras.)

(Ela sonha.)

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