segunda-feira, 28 de abril de 2008

Vida fácil

Vestia a meia arrastão preta que tinha um rombo no meio de todos aqueles buraquinhos, com sorte ninguém ia reparar que também a barra do vestido vermelho cetim era gasta e que o cetim de cima era um rubro mais rubro porque teve que alongar com outro pano.

Sempre onze e quinze, mais tardar onze e vinte saía. Abrir a porta e sentir a cidade murrinhenta e cruzar o terreiro de Pai Jorge, e passar pela praia ouvindo os olhares dos pescadores, vê um pessoal fazendo escondido o que ia fazer a noite toda. Uns até queriam, mas ela, às vezes, passava bem pra olhar na cara das galegas sujas de areia e já cansada, que não tinha mais amor na cidade baixa.

Não ia ter jeito, ia ter que pedir o dinheiro à gorda. Puta nojenta, mesquinha! A culpa era dela, toda dela, desde os dezesseis com essa velha me pagando o suficiente prum café fraco e umas guimbas de cigarro usadas das dondocas da cidade alta, aquelas piranhas. Nem Caetano, esse daí agora deu pra cantar à Sampa, tá certo, a vida sorri é mesmo pra uns. Só que a Diva pegou meu batom vermelho, fiquei sem.

- Ah Dona Juliane, vô dança hoji não, mande um direto.
- E porque é que tá com essa metideza, posso sabe? Tá de bode é?
- Será que a senhora me via um adianto esse mês, Luis chega tá já sem fralda.
- Que adianto o quê! Bote um batom vermelho e pare de bundiar por aí. Bora, Chispa!

Ela não tinha ritmo, as luzes eram muito fortes, lá de cima mal se via onde pisava. Aquela pretinha ali é nova, chega a gargalhar enquanto mostra o par de melõezinhos pontudos. Como é que os meninos iam tá em casa. (Luis Carlos de 3 e Filipi de 4 anos ficavam só com a vizinha tomando conta pra ver se o portão não ia se abri que nem da outra vez que teve que pegar um dos meninos já n'água)

O quarto tinha uma foto do Erasmo no teto. E ele dizendo que chegara o tremendão. Ela diz boa noite, ele a vira de costa, a puxa pelo emaranhado de cabelos negros, e mete atraz assim, sem nada, ela já não reclama, deixou o velho descansar por inteiros três minutos, depois diz baixinho "Ô seu Chico não da pro senhor dá uma ajudinha não? só esse mês só?" Chico responde com uma cusparada no chão.

O rombo na meia aumenta.
-Já deu três horas menina, pode ir indo que hoje dia de segunda tu já sabe que é fraco.

Fecha a cortina de missangas rosa choque, depois só vem a fuça; "Tome aqui esse dinheiro pros teus muleques."

Chora pelo menina, já que é enganoso, chora de dor, chora pelos seios caídos, pela meia rasgada, os calos da sandália pequena, Chora pela esmola, pela cusparada seca no chão, pelos filhos, pela velha, pela areia, chora pelo terreiro, chora até a vizinha.

- ô vidinha fácil essa tua chegando a essa hora einh - diz a vizinha - Assim até eu.
- Boa noite Gláucia, brigada aqui por vigiá.

Os meninos lá dentro já roncam. (de fome)

Um comentário:

Unknown disse...

Bom te ver de volta. Bom mesmo.